terça-feira, fevereiro 4

Primeira Lei de Newton*


( Ilustração: Ana Varela)

* [...]Todo corpo continua no seu estado de repouso ou de movimento uniforme numa linha recta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele.[...]


Primeiro são os números. Sempre. Dezasseis degraus, vinte e duas janelas, quarenta e quatro portadas, onze portas, cento e vinte sete metros quadrados. Virgula sessenta. Os espaços constroem-se na tridimensionalidade dos eixos que os olhos conseguem ver. Depois vêm as palavras, embebidas nas vozes e nos passos e os números tornam-se pequenos para as letras. Sou de ciências, sempre olhei a matemática com a mesma admiração que a rouquidão olha para uma clave de sol. Explica-lhe os sons ao mesmo tempo que lhe diz que nunca saberá cantar. O meu mundo de fora construiu-se com fascínio dos múltiplos eixos da matemática, com o número de Avogadro, as leis de Newton, o teorema de Gauss. No entanto o meu mundo de dentro formou-se numa tinta de duas dimensões onde só existiam palavras, um mundo de janelas só num sentido. Mas os caminhos perdem a linearidade com o tempo e algures numa curva descobri uma casa com dezasseis degraus, vinte e duas janelas e quarenta e quatro portadas onde o meu avesso passou a ser o mundo de fora. Uma casa construída sobre números mas onde habitam palavras que não se medem. Uma casa onde a diferença dos outros nos faz sentir iguais. E recomeça-se. Repensa-se . Repensamo-nos. Sempre depois de abrir mais uma janela para além das outras vinte e duas: a nossa.

Texto escrito para o COlab Óbidos: Pessoas onde mora uma casa especial.