sexta-feira, dezembro 28

Recomeço


Ciclos. De dias, de anos, de nós. Como se o tempo se medisse numa areia diferente do verbo. Um ritual de renovação dentro dos rituais de todo ano que nos impedem de ver o cinzento de todos os dias. Porque a dispersão da luz é parda e a vida dispersa-se por entre o coar do tempo. Só a escolha tem cor.

Um 2013 cheio de cor, são os votos da Confeitaria.


Bolinhos de castanha e chocolate



375g de doce de castanha
200g de chocolate em barra
100g de manteiga sem sal
3 ovos
2 colheres de sopa de farinha maisena

Derreta o chocolate com a manteiga em banho maria. Bata os ovos com o doce de castanha e depois junte a farinha. Bata tudo de forma a ficar homogéneo. Junte a mistura de chocolate. Leve em forminhas de queque,  a forno pré-aquecido a 150º durante 20minutos

Receita adaptada de Saveurs nº 196

quinta-feira, dezembro 20

Natal na Confeitairia


Chove. É dia de Natal. 
Lá para o Norte é melhor: 
Há a neve que faz mal, 
E o frio que ainda é pior. 

E toda a gente é contente 
Porque é dia de o ficar. 
Chove no Natal presente. 
Antes isso que nevar. 

Pois apesar de ser esse 
O Natal da convenção, 
Quando o corpo me arrefece 
Tenho o frio e Natal não. 

Deixo sentir a quem quadra 
E o Natal a quem o fez, 
Pois se escrevo ainda outra quadra 
Fico gelado dos pés. 

( Fernando Pessoa)


A confeitaria deseja-vos um Feliz Natal. E porque "não há mais metafísica no mundo senão chocolates" aqui fica esta estória de comer.



Mousse de Chocolate e ginginha




300g de chocolate negro
200ml de natas frescas
4 claras
150g de açúcar
75ml de água
60ml de ginginha

Derreta o chocolate com as natas em banho maria. Leve ao frio e deixe arrefecer completamente. Faça um xarope com o açúcar e água ( ponto de pérola). Bata as claras em castelo e junte o xarope em fio. Bata o merengue até estar completamente frio. Retire a mistura de chocolate e natas e bata até duplicar de volume. Misture com o merengue (este tem de estar à temperatura ambiente!) e junte a Ginginha. Leve ao frigorifico durante umas horas



quarta-feira, dezembro 19

Conto rápido de Natal



Calhara ficar de serviço naquela noite. Não se ralara porque não gostava nem fritos nem da solidão com cheiro a caruma.  Sentou-se num degrau de pedra , abriu o pacote com azevias de grão e enquanto lhes tirava o recheio com o  indicador, como fazia no tempo em que era criança,  o homem da casa de cartão gritou-lhe do outro lado da rua, feliz Natal! Ele fechou de novo a azevia e estendeu-lhe o pacote. Sente-se aqui, que isto faz-me mal à vesícula.  Os fritos são tramados, disse o homem da casa de cartão enquanto  comia. A solidão é pior, respondeu-lhe.



Trufas de grão





(cerca de 24) 
250g de grão cozido
150g de amêndoa pelada
200g de açúcar
100ml de água
2 paus de canela
Casca de laranja q.b
Açucar em pó
Canela em pó

Leve o açúcar  ao lume com a água, os paus de canela e a casa de laranja, até fazer ponto de pérola.  Pique finamente, o grão juntamente com a amêndoa. Junte à calda e com o lume muito brando, deixe cozinhar até fazer estrada. Leve ao frigorífico pelo menos 8 horas. Deite açúcar em pó misturado com canela num prato e tenda bolinhas com a massa.

quinta-feira, dezembro 13

Antónia


Sempre que a visitava, na casa de Alvalade, sob o pretexto de alguma efeméride de fim de semana, ela fazia-lhe farófias. O único doce que aprendi a fazer, foi uma portuguesa da Rodésia quem me ensinou no dia em que me debulhei em lágrimas por descobrir que o teu avô me traía. Cozinhava apenas com uma mão, com a outra segurava o cigarro. Ele ficava à porta da cozinha a ver-lhe os movimentos sem idade. Não me chames avó, que antes da tua mãe nascer eu já tinha nome. Servia as farófias num serviço chinês e pedia-lhe que não falasse nem dos mortos nem dos que em breve iriam morrer.  Que as conversas para velhos cheiram sempre a página de necrologia. Por isso faço as mesmas coisas que fazia aos vinte, aos trinta, que nós  só engelhamos por fora. Por dentro só  há dias seguintes, não há idades. Depois pedia-lhe que descessem a Avenida de Roma a pé, de braço dado. Hoje fico por aqui, não preciso da luz do rio porque não estou só.  Amanhã talvez vá até ao Chiado. Inclinava para trás a cabeça de cabelos brancos armados com laca, em direcção ao sol. Desta vida, a melhor memória que levo é a luz de  Lisboa.

Farófias com creme de laranja


Esta estória de ler e comer foram contadas para o desafio Convidei para Jantar, que nesta edição tem o tema "Cidades" e cuja anfitriã é a Marmita.  A cidade que convidei, foi a minha mãe adoptiva, cuja luz trago sempre comigo: Lisboa

(para 4)
4 claras
6 gemas
75g de açúcar em pó
100g de açucar granulado
7,5 dl de leite
Casca  e Sumo de 1/2  laranja
1 colher de chá de farinha de arroz
1 colher de chá de licor de laranja
2 paus de canela
Canela para polvilhar

Bata as claras com o açúcar em pó até obter um merengue bem firme.  Leve o leite ao lume, com  casca de laranja e a aquela até levantar fervura. Baixe o lume para muito brando, e com um doseador de gelado deite pequenas bolas de merengue. Deixe cozer 1 minuto e retire. Depois de esgotar o merengue, coe o leite. Bata as gemas com o açúcar e dissolva a farinha de arroz no sumo de laranja. Junte ao leite e leve ao lume até engrossar, tendo cuidado para não deixar ferver. Aromatize com o licor e deite sobre o merengue cozido. Sirva com canela em pó e raspa de laranja.

quinta-feira, dezembro 6

Estorieta


Gostaria de ter um nome de musa como Laura ou  Beatriz.  De ter lido mais do que duas páginas de James Joyce e de ter ouvido Schoenberg sem sofrimento. Era o que pensava, depois de pedir um café pingado,  quando se sentava no Martinho da Arcada a ver  o movimento no Terreiro do Paço, ou  às vezes a contemplar  o rio. Pensava também, como se pronunciaria o trema por cima do  O e  se não ficaria mais satisfeita com uma meia de leite.


Panna cota "Meia de Leite"
(para 4)




200ml de natas
400ml de leite
4 folhas de gelatina
120g de açucar
1 vagem de baunilha
200ml de café expresso + 2 folhas de gelatina
Chocolate preto ralado


Leve as natas, o leite, a vagem de baunilha raspada e o açúcar  num tachinho ao lume até levantar fervura. Retire do lume e deixe arrefecer um pouco. Dissolva as folhas de gelatina, previamente demolhadas, na mistura de natas e leite. Distribua por tacinha e leve ao frigorifico por umas horas

Dissolva as folhas de gelatina no café expresso quente  e deite por cima do panna cota ( verifique se este está firme). Leve de novo ao frio para prender a gelatina de café. Sirva com chocolate preto ralado.


terça-feira, dezembro 4

Teófilo


Cuspia no chão sempre que passava pelo padre da vila. Tirava a velha boina basca, pousava-a sobre o lado esquerdo do peito, aquele onde acreditava ter o coração, e cuspia. E ficava, hirto, de boina ao peito  e de olhos fixos no padre que atravessava a estrada. És doido, diziam abanando a cabeça. Não, respondia. Sou um homem de fé. E as mulheres de negro benziam-se. Ou beijavam a cruz, se a trouxessem ao peito. O que sabes tu de fé, homem? Tu que cospes aos homens de Deus? E ele guardava a boina no bolso das calças e lembrava-se.  Lembrava-se da tia, que sempre fora velha, e que acreditava que era a humidade da igreja que lhe causava a bronquite. Mas ainda assim, levantava-se cedo todos os Domingos para fazer a  canja com hortelã e leite creme para  o almoço, que Deus-nosso-senhor, tudo vê e tudo sabe, é maior que todas as maleitas. Que sabes tu de fé homem? Tu que dois dias depois de fazer nove anos, na missa de Domingo, cuspiste ao padre, quando te estendeu o cesto das oferendas? Ficara sentado de rosto e orelhas ardendo pela mão envergonhada da mãe, esperando que Ele viesse, Ele, que tudo via e sabia, teria de vir cheio de fúria divina. Mas não viera. O que sabes tu de fé, homem?  És doido, diziam na vila. E ele sorria e dizia baixinho: Tenho é fé. Que o sacana ainda um dia me aparece.

Deserto do Mundo, Março de 2011


Leite creme de laranja



 400ml de leite
200ml de natas
6 gemas
2 colheres de sopa de farinha de trigo
160g de açúcar
1 colher de sopa de licor de laranja
Casca de uma laranja


Leve o leite e as natas ao lume com a casca da laranja até levantar fervura. Retire do lume e deixe repousar uns 15 minutos. Bata as gemas com o açúcar, a farinha e o licor. Junte o leite leve ao lume até engrossar. 
Deite em recipientes baixos e deixe arrefecer completamente  Polvilhe com açúcar e queime com um maçarico ou ferro de queimar.

sexta-feira, novembro 30

Cem


Na véspera de fazer  cem anos pensou que só se arrependera de não ter feito duas coisas na vida: aprender a conduzir e falar francês. Durante décadas fora conduzida no carro azul do marido. De mãos plácidas sobre o colo e olhos fixos na imagem de S. Cristovão, pendurada no retrovisor. Benzia-se sempre antes do carro arrancar, mesmo que fosse só para ir até ao mercado.  Ou até à pastelaria onde iam aos sábados à tarde comer bolos e fingir que conversavam com os outros. As outras senhoras, que também não sabiam conduzir, pediam a especialidade da casa, profiteroles. Ela, como tropeçava nos “rs” arranhados, pedia sempre uma torrada. Na véspera de fazer cem anos, só se arrependeu disso.  Não se arrependeu de não ter tido outro homem que não o marido, nem de nunca ter viajado para além da Figueira da Foz, onde passavam o verões. Não se arrependeu de nunca ter votado ou de ter casado. Afinal, quem teria cuidado dela se não fossem o falecido marido e os filhos? Dos filhos talvez só tivesse tido um em vez de dois, que as dores de parto tinham custado muito. Na véspera de fazer cem anos  pediu que não lhe fizessem festa. Custava-lhe estar com pessoas de quem não se lembrava do nome. E as que se lembrava já tinham morrido.  Mas fizeram.  E pediu como prenda de anos um daqueles bolos que eram uma torre de profiteroles. E um livro do Albert Camus. A rapariga de cabelo curto, que insistia em ser sua neta, riu, que disparate, a avó nunca lê. Mas era um nome tão lindo, Camus, soprava-se na boca como um poema, e ela achou que ficava bonito na mesa de cabeceira. No dia em que fez cem anos compraram-lhe um bolo cheio de rosas de açúcar e mais um colar de pérolas de Palma de Maiorca.



Hoje, a confeitaria publica a sua 100ª  estória de ler e a sua 100ª estória de comer. Obrigada a todos que aqui vêm.



Profiteroles de chocolate com ganache de chocolate e laranja


Para os profiteroles:
200 ml de água
1 colher de chá de sal
20 g de açucar
60 g de manteiga sem sal
110g de farinha sem fermento
5 ovos médios
20 g de cacau

Para a ganache
200ml de natas
200g de chocolate de leite
2 colheres de chá de licor de laranja
Raspa de uma laranja

Pré-aqueça o forno a 180º. Leve a água, o sal, o açúcar e manteiga num tachinho ao lume até ferver e derreter a manteiga. Deite a farinha, misturada com o cacau de uma só vez e mexa energicamente até se soltar das paredes do tacho. Retire do lume e adicione os ovos batendo muito bem.
Deite a massa num saco de pasteleiro e fala pequenos montinhos num tabuleiro forrado com papel vegetal . Leve ao forno por 30 minutos.
Derreta o chocolate com as natas em banho maria, até obter um creme homogéneo.  Junte o licor e a raspa de laranja. Leve ao frio durante pelo menos 2 horas. Bata com batadeira até duplicar de volume. Recheie os profiteroles com este creme

Adaptado de Saveurs, nº 195 pag 39.


terça-feira, novembro 27

Do tempo das romãs


Ao fundo dos prédios havia um moinho de água e uma romãzeira.  Ficavam os dois para além do alcatrão das ruas, num baldio que fora um dia um quintal de roseiras. Ao fundo dos prédios havia o som do amola-tesouras e uma romãzeira. Havia manhãs que arrastavam o solstício de inverno  por entre as árvores despidas e as mulheres do mercado. Havia braçadas de azevinho e gilbardeira que cheiravam a canela de Dezembro.  Ao fundo dos prédios havia uma velha romãzeira, cujos frutos caídos tingiam um quintal que se forrara pelo tempo das daninhas. Havia uma infância entre dois tempos que esbatiam num único verbo. A harmónica do amola-tesouras passava na calçada, vem aí chuva, e ao fundo dos prédios caía mais uma romã.


Panquecas de canela e laranja com molho de romã


( 12 panquecas pequenas)

1 chávena de farinha
2 colheres de sopa de açúcar
2 colheres de sopa de manteiga sem sal , derretida
2 ovos
¾ chávena de leite
Sumo e raspa de 1 laranja
1 colher de chá de canela
2 colheres de chá de fermento em pó
Pitada de sal fino
1 chávena de sumo de romã
¾ de chávena de açucar

Leve o sumo de romã, com algumas grainhas  e açúcar ao lume e deixe ferver em lume brando durante 15 minutos. Depois, coe o molho e reserve.
Misture a farinha, o fermento, o açúcar ,a canela, a raspa de laranja e o sal. Noutro recipiente bata os ovos, junte o leite, o sumo de laranja e a manteiga derretida. Misture os dois preparados. Aqueça uma frigideira anti-aderente e deite colheradas da massa. Quando a superfície da massa fizer bolhas, volte-as e deixe cozinhar mais uns minutos. Sirva as panquecas com o molho de romã.


segunda-feira, novembro 26

Ramdass



Depois do livro, o Pai Natal deixou de chegar vestido de vermelho. Deixou as barbas e as terras do Norte. E vinha, primeiro em forma de vulto, pelos telhados que os prédios do meu bairro não tinham. Depois, já perto da janela da mansarda que eu queria ter, esboçava um sorriso  branco, com a luz que só as pessoas do Sul conseguem ter. Depois do livro, o meu Pai Natal passou a chamar-se Ramdass, e cheirava ao oceano turquesa à beira do qual nasci. Já não importava que não nevasse,  porque era Natal de Monção. Trazia nas mãos palavras de dedos longos que plantavam estórias na minha cabeça. Ceava comigo, bebendo chá nas pequenas chávenas de porcelana das bonecas e tirava do saco, que nunca teve cor, janelas abertas para um mundo só meu. Depois do livro, o Natal celebrou-se no meu quarto sempre que eu me dava uma estória nova e aprendi a falar sem voz. Hoje é noite de cear estórias, Ramdass. E trinta anos depois do livro, ainda é Natal.

Estórias de ler e comer, do Encontro ao Serão no Bichinho do Conto, ontem.




Queques de Bolo Inglês



(para 36 queques)

200g de manteiga sem sal
200g de açucar amarelo
375g de farinha sem fermento
50g de Maizena
5 ovos
2 colheres de chá de fermento em pó
1 colher de chá de cremor tártaro
100ml de brandy
100g de sultanas
200g de cerejas em calda ou cristalisadas
200g de amêndoa laminada
150g de alperces secos
2 cravinhos
1 colher de café de sal
raspa e sumo de uma laranja
500g de de maçapão
Cerejas para decorar
Doce de alperce q.b.


Com 6 a 8 horas de antecedência, deixe as passas a ensopar no brandy. Cubra com película aderente. Pique as cerejas e os alperces. Aqueça o forno a 180º. Bata a manteiga com o açucar até obter um creme. Junte os ovos 1 a , batendo bem. Junte a raspa, o sumo da laranja  e cravinho previamente moido no almofariz e bata. Junte as passas e o brandy e depois as restantes frutas. Misture as farinhas, com o sal e o cremor tártaro e envolva cuidadosamente. Coloque caixinhas de papel em formas de queques e encha 2/3 de cada com a massa. Leve ao forno por cerca de 15 minutos.
Estenda o massapão até a ficar com menos de 0,5 cm de espessura e corte rodelas do tamanho dos queques. Depois de totalmente arrefecidos, pincele o topo de cada um com doce de alperce, coloque por cima uma rodela de massapão e decore com as cerejas em calda.

sábado, novembro 24

Encontro ao Serão

Hoje, no Bichinho do Conto.


Vamos falar de cozinha, leitura e outros afectos. Num serão, aconchegado por chá e coisas doces.
Mais detalhes aqui



quinta-feira, novembro 22

Gaia



Quando o Outono chegou lembraram-se do calor de lá.  A janela da sala, que dava para um lugar de frutas  cuja dona  usava soquetes por cima dos collants de lã, tinha sempre os cortinados abertos de par em par. Para que a frágil luz do Outono do Norte não se coasse nos tecidos pesados.  A cidade é velha e estreita, lamentava-se o filho do meio com os olhos húmidos de  saudade. E só há brancos. São todos brancos.  A tua irmã e o marido vêm cá jantar hoje.  O homem de cabelos embranquecidos pelo retorno, não respondeu, continuando a curvar os ombros à melancolia e falta de dinheiro.  A filha mais velha, que deixara de esticar o cabelo, porque cá não é preciso, disse, vou comprar tabaco. Não te demores, que os teus tios estão a chegar. A mulher pousou  uma das mãos gretadas pela novidade do tanque num dos ombros curvados. Não chores, homem. Era um choro envergonhado no silêncio da penumbra. Não chores, homem, que a tua irmã está a chegar. Comprei um ananás para a sobremesa. Lembras-te das sacas que comprávamos a caminho do Bilene? O  homem tirou o lenço do bolso casaco e limpou os olhos. Lá fora a chuva morrinha acinzentava os vidros.  Lembras-te? Mas este, de cá,  é muito azedo, tive de lhe deitar açúcar.

Doce de ananás com baunilha e lima



1kg de ananás maduro, descascado e sem o centro
500g – 600 g de açúcar, dependendo da acidez do ananás
Sumo e raspa de 1 lima
1 vagem de baunilha

Corte o ananás aos pedaços, regue-o com o sumo da lima e cubra-o com açucar. Leve ao frigorifico durante, pelo menos 6 horas para macerar. Depois deite a mistura num tacho, junte as  sementes da baunilha, e a restante vagem e a raspa da lima. Depois de levantar fervura, deitxe em lume brando por 50 minutos. Triture tudo, até obter um creme homogéneo e depois deixe ferver em lume brando por mais 10 minutos. Deite em frascos esterilizados.

terça-feira, novembro 20

Retrosaria



Comprava-me um bolo de arroz numa pastelaria que vendia os bolos grandes e retorcidos. Depois dobrávamos a esquina e entravámos numa loja onde as mulheres envelheciam à porta.  Fica cá fora para não deixares cair migalhas, dizia-me. Eu ficava encostada à soleira da porta, ao lado dos carrinhos de lona que cheiravam  a praça. Lá dentro, na penumbra forçada pela montra minúscula onde se exibiam batas e aventais, havia uma explosão de cores. As paredes eram  forradas com gavetinhas que tinham botões colados do lado de fora. Contadores gigantescos cheios de madrepérola e massa de quatro furos.  Atrás do balcão de madeira havia um expositor cheio de carrinhos de linha, ordenados como a minha caixa de lápis de cor. De que cor é  o anil, mãe?  Queria um carrinho de linhas verde garrafa . A dona, que era uma mulher de cabelo curto e crespo, aviava as mulheres sem rosto, cortando tecido barato com os dentes. O marido, sempre atrás do balcão,  fazia embrulhos com papel pardo, que na altura do natal era  branco com umas folhas de azevinho azuis. O filho mais velho andava a estudar para médico, um orgulho, dizia.   Queria um carrinho de linhas verde garrafa, repetiu a minha mãe. A dona fez um sinal ao marido. Ele sorriu contrariado e levantou a tampa de madeira do balcão. Entre, dona. E tire o carrinho, que eu não distingo as cores. O meu filho diz que sou daltónico.

Bolo de arroz




150 g de açucar
150 de farinha de trigo
75g de farinha de arroz
75 g de manteiga
2 colheres de chá de fermento em pós
3 ovos + leite ( perfazendo 250 ml)
1 colher de chá de extracto de baunilha
Raspa de limão q.b
Açúcar q.b

Bate-se o açúcar com a manteiga mole e o fermento até obter um creme de manteiga suave.
Junta-se os ovos e o leite e bate-se bem. Junta-se a raspa do limão e a baunilha.
Por fim, juntam-se as farinhas e envolvem-se até obter uma massa uniforme.
Leva-se, numa forma de bolo inglês, ao forno pré-aquecido,  polvilhado com açúcar para criar a crosta, a 200ºC por 5 minutos e a 180ºC até cozerem.

Receita do Sabores da Alma


sexta-feira, novembro 16

Sem título

Sabemos sempre. Uma espécie de saber em circulo, que volta a origem em traços espessados pela memória. Sabemos sempre, ainda que nos ajustemos, fingindo que não é bem assim, porque é suposto ser de outra forma. 
E nestas manhãs de recomeço, que podem ser frescas, como mais ou menos luz, o tempo confronta-nos. Que sempre soubemos. Que o caminho ia ser por aí.

( A escolha da receita hoje, é só porque sim)

Mini tartes de Nutella


(16 tartes de 8 cm de diâmetro)

350g de Nutella
5 ovos inteiros

Batas os ovos durante 15 minutos até ficar um creme espumoso e espesso. Derreta o Nutella no microondas durante 10segundos e misture cuidadosamente. Leve ao forno pré-aquecido a 150º durante cerca de 20-25minutos, em forminhas untadas e ligeiramente polvilhadas com farinha.

Receita adaptada de um blogue fabuloso. Aqui

quarta-feira, novembro 14

Sissi



Havia um velho gira-discos ao fundo da sala, que só lhe chamavam fundo porque ficava no lado oposto da janela.  O tio punha o velho disco de valsas, e a tia insistia em ensinar os mais novos a dançar. Um, dois, três, e o corpo farto da mulher de  sessenta anos ganhava uma leveza sobre o tapete de arraiolos. Gosto muito de Strauss, dizia outra tia, uma que nunca se levantava, que se deixava estar, sentada de costas para a janela com a chávena e o pires suspensos na mão engelhada.  Do pai ou do filho? Perguntava o tio, enquanto limpava os discos de vinil com uma escovinha de veludo.  Havia sempre uma sobrinha que não sabia dançar. Pescoço levantado, como a Sissi, a imperatriz das valsas de Strauss. Filho? Gostava tanto de conhecer Viena de Austria,  suspirava tia da  chávena de chá. A outra, a de corpo farto, pensava se haveria outra Viena que não fosse de Austria,  enquanto girava dançando com ela mesmo, com o pescoço retesado e inclinado para trás a querer parecer mais alto.  A outra tia pousava o chávena na mesinha de centro, que fora arredada e dizia, a Romy Schneider era belíssima. Pena ter morrido tão nova.

Estórias de ler e de comer para o desafio Convidei parajantar, desta vez na casa da Alice na Cozinha Maravilha.


Uma espécie de  Sacher torte

5 ovos
150 g de chocolate em barra + 125g para cobertura
160 g de açúcar
75g de manteiga sem sal +  2 colheres de sopa para a cobertura
250g de compota de alperce
120m de natas

Derreta o chocolate com a manteiga, reserve. Bata as gemas com metade do açúcar, reserve. Bata as claras em castelo, adicione o restante açúcar e bata até ficar em merengue. Misture o chocolate com as gemas e depois envolva com massa de claras.
Leve ao forno pré-aquecido a 150º, numa forma forrada com papel vegetal durante cerca de 50-60 minutos. Retire e deixe o bolo arrefecer completamente dentro da forma.
Derreta o chocolate com as natas e as duas colheres de sopa de manteiga. Barre o bolo com o doce de alperce e cubra-o com a ganache de chocolate. Se desejar decore-o com alperces secos.




quarta-feira, novembro 7

Não há pessoas felizes


Não há pessoas felizes. Até porque grande parte das pessoas não compreende a matemática. Não sabem o que é uma variável que tende para infinito, ou não concebem um eixo em Rn. Porque para elas o mundo tem apenas três eixos, vá, quatro para os metafísicos. Se as pessoas compreendessem a matemática, saberiam a diferença entre um fenómeno discreto e um fenómeno continuo. Saberiam que uma razão cujo denominador seja zero é indeterminada. E a diferença entre uma condição necessária e uma suficiente. E por isso não existem pessoas felizes. Porque a felicidade não existe enquanto fenómeno contínuo e o vazio das nossas razões também não. Somos felizes em momentos, discretos, ao longo da continuidade da nossa vida. Quando descobrimos que amamos, ou que somos amados. Quando parimos ideias, filhos, sonhos. Sem género. Ou que deixamos de viver no que devia ter sido, esse eixo que teimamos em construir ao lado esquerdo do zero das nossas amarguras.
E é por isso que me fascinam as histórias tristes. Porque são pontos no espaço. Simples pares de coordenadas diluídos nos eixos em que nos desdobramos. E que tentamos apagar nas curvas quase perfeitas daquilo que achamos ter de ser.  Só, porque achamos que esses pontos não são função de nada mais que da má sorte. Mas isso, é tão falso como a Matemática ser difícil. E isto sim é uma verdade absoluta.

Deserto do Mundo, 2009



Chocolate quente com menta

( para 2 pessoas)

500m de leite
100g de chocolate ( de preferencia com mais de 65% de cacau)
5 pastilhas de chocolate e menta ( tipo after eigth)


Leve o leite ao lume, quando estiver bem quente adicione o chocolate partido em pedaços pequenos e as pastilhas. Reduza o lume para muito brando e deixe derreter o chocolate até ficar uma mistura homogénea.
Sirva com chantilly e uma folha de hortelã.


quarta-feira, outubro 31

Pão por Deus


As mulheres  compunham as flores,  compradas cedo na praça, para pôr nas campas. O que são finados, mãe? São os mortos. É o dia dos mortos. Flores brancas, vermelhas não, que é falta de respeito. Nas nossas mãos, os sacos de pano bordados a ponto cruz. Pão por Deus, gritavam  as minhas primas à porta dos outros, que podiam ser vizinhos. Eu,  atrás delas na estranheza de quem só conhecia ruas com prédios. Pão por Deus, o meu pai a queixar-se do frio e da humidade. Por esta altura, começava lá o calor.  Os sacos de pano a encherem-se de erva doce em forma de broas e castanhas cozinhas. E passas, não gosto de passas, dizia eu baixinho. Pão por Deus, nós a corrermos por ruas onde não passavam carros. Nas paredes dos armazéns  havia homens pintados que pediam a reforma agrária.  As sombras compridas no chão de alcatrão gasto, e o meu pai queixar-se do frio enquanto esfregava as mãos com saudades da terra de lá. Passávamos pela casa grande. Não pedimos aqui?  Os sacos cheios de broas, as mulheres a descerem a rua com ramadas de flores,  e nós à porta da casa grande, com as suas paredes velhas  e cor de rosa que não se gastavam com o tempo.  Dantes saíam daqui, tabuleiros de bolos para os pobres, dizia o meu tio  enquanto descascava uma castanha, que o dia de hoje era dia de caridade com bolos. E nós ao portão da casa grande, maior que as outras novas casas grandes cobertas de azulejos. Não pedimos aqui? Não. Fugiram todos para o Brasil.


Creme gelado de castanhas com molho de chocolate


250 g castanhas
230g de açúcar
200g de manteiga amolecida
6 gemas grandes
1 colher de sopa de brandy
leite q.b
100g de chocolate
70 ml de natas


Leve as castanhas ao lume, cobertas por leite e cozer até ficarem moles. Deite o leite e as castanhas ( vá juntando o leite aos poucos) num copo misturador, até obter um puré homogéneo. Bata este puré com as gemas, a manteiga, o brandy e o açucar durante pelo menos 20 minutos. Leve ao congelador durante 8 horas ( idealmente 12).

Para o molho
Leve o chocolate com as natas ao microondas durante cerca de 1 minuto na potencia máxima, parando de 20 em 20 segundos para mexer. Deite o molho ainda quente sobre o gelado




terça-feira, outubro 30

Da inspiração




Andava descalça no chão de tábua corrida. Que quase não chiava quando atravessava, em bicos dos pés,  os vinte passos que separavam o corredor escuro da janela do quarto.  Sentava-se em cima da arca velha, aquela onde guardava o enxoval que nunca usara, e que servia de banco debaixo do parapeito. Cruzava as pernas sobre os joelhos e inalava o cheiro  a quase-especiarias da madeira exótica da arca.  Da janela de quadrados de vidro, olhava a rua  que corria debaixo dos pés dos outros.  Sobre as pernas um caderno cheios de rascunhos de sonhos. Levantava a guilhotina de madeira branca e deixava a manhã entrar. E os primeiros sons da cidade arrastavam-lhe a mão pelo branco áspero.  Com a outra limpava as gota de sumo, da pêra que ia trincando, e que lhe esborratavam a tinta das letras.  Até que lhe faltava sempre uma palavra, a que antecedia o fim da ideia. Então, parava, deitava o caroço roído no lixo, fechava o  caderno depois da janela e antes de fazer de novo os vinte passos de tábua corrida dizia, amanhã compro uns chinelos.

Pêras em calda de especiarias e moscatel



4 pêras rocha
2 cravinhos
4 vagens de cardamomo
1 pau de canela
1 vagem de baunilha
100 g de açúcar amarelo
2 colheres de sopa de vinho Moscatel

Descasque as pêras  descaroce-as e reserve as cascas. Coloque-as num tacho cobertas com água, o açúcar  as cascas e as especiarias ( esmague os cardamomos e abra a vagem de baunilha, raspe as semente e coloque-as juntamente com a vagem no tacho). Deixe levantar fervura e depois baixe para lume brando até as pêras estarem cozidas mas ainda firmes. Retire as pêras e coe a calda. Leve-a de novo ao lume, juntamente com o vinho Moscatel  e deixe reduzir até metade. Sirva as pêras frias, regadas com esta calda



sexta-feira, outubro 26

Familia


Os dois irmãos e as duas cunhadas vinham sempre para o almoço de  Domingo, que raramente acontecia ao Domingo mais sim ao Sábado.  Ao principio pensou-se que seria por causa da hora da missa, a qual por a mãe nunca falhar, poderia atrasar o servir do almoço. Mas depois verificou-se que apenas tinha a ver com o dia da praça e a frescura dos legumes. Os dois irmãos e as duas cunhadas  vinham sempre para o almoço de Domingo e a mãe servia sempre a carne assada e a acompanhar um soufflé murcho e gorduroso. Os dois irmãos e as duas cunhadas, sentavam-se à volta da mesa que tinha mais de oval do que redonda,  separados pelos filhos de um, que o outro nunca tivera filhos. A mulher deste  era a mais calada, de uma magreza excessiva que ela perpetuava numa frugalidade zangada. Tão zangada como permanente cor  amarelada e escamada da pele do rosto, que diziam ser do tabaco. Mas que todos sabiam ser do azedume com  que nascera. A outra, tinha o rosto redondo, e excesso de palavras. A voz dela corria em ruído de fundo durante todo almoço. Ostentava um sorriso tão excessivo quanto a magreza da outra, que só desaparecia por detrás do guardanapo cheio  de nódoas de molho.  A magra revirava os olhos sempre que a gorda falava na sua voz  estridente e ansiosa. Daí que se calculasse que não gostavam uma da outra.  Depois vinha a sobremesa. A magra suspirava de enjoo enquanto a outra dizia, só posso comer um bocadinho, que estou de dieta. Todos sorriam. A mãe servia a mousse de chocolate em tacinhas de vidro de acastanhado.  É só mesmo um bocadinho, insistia.  O pai deitava rum ordinário na mousse para disfarçar o sabor do chocolate, de que nunca gostara. A magra acendia um cigarro. Não fumes à mesa, dizia um dos irmãos. E todos comentavam o quanto os irmãos eram parecidos. A mãe rapava a mousse para uma ultima taça e dizia, podiam ser gémeos.


Soufflé de Chocolate, rum e coco





100g de chocolate
3 +2 colheres de sopa de açúcar
40 ml de natas
2  ovos + 1 clara
1 colher de sopa de rum
Coco ralado para polvilhar

Pré-aquecer o fornoa 200ºC. Barrar forminhas  de soufllé com uma camada espessa de manteiga, polvilhar com açúcar, retirando o excesso. Levar ao frigorífico.
Colocar o chocolate as 3 colheres de sopa de açúcar numa tigela refratária sobre uma panela com água fervente e, mexer sempre, até o chocolate derreter. Retirar do lume e juntar as natas. Juntar a colher de sopa de rum Deixar o chocolate arrefecer por cerca de 5 minutos e, depois, uma a uma, bater as gemas.
Bater as claras e quando estiverem firmes, juntar o restante açucar até ficarem com ar brilhante.Envolver um quarto das claras no chocolate, e acrescentar delicadamente as claras restantes. Deitar a massa nas forminhas, colocar sobre uma assadeira e levar ao forno, durante cerca de 20 minutos Quando estiverem prontos retire-os do forno e polvilhe-os ainda quente com abundante coco ralado. Servir de imediato


Receita publicada para o desafio Dories às Sextas

terça-feira, outubro 23

Se Deus quiser.




Se Deus quiser. A mãe terminava todas as frases assim. Até amanhã se Deus quiser. Há-de ficar melhor, se Deus quiser. E sente a mão quente de dedos largos da mãe na sua.Os passos dela no mármore gasto dos degraus da Igreja. Tira lentamente o missal de capa preta, de onde pende uma fina fita de cetim castanha. Ajeita-lhe as pregas da saia, a gola engomada e com um gesto leve do queixo anguloso manda-a sentar. O cheiro das velas. É o filho do vizinho de cima quem as acende. Quando se volta, olha-a e sorri. E enquanto o olhar lhe desce do rosto para o resto do corpo, o rosto da mãe sulca-se de rugas, os olhos cansam-se e sob a mesma renda preta os cabelos castanhos claros adoçam-se em tons de baunilha. A fita de cetim do missal perde o brilho. É mais um domingo à tarde. As senhoras de fatos compostos e vozes baixas vêm para o chá. Os cheiro amanteigado dos scones, entranha-se pastoso nas conversas feitas. Do outro lado da janela da sala, ele faz-lhe um sinal. Vou estudar um pouco, mãezinha. A boca dele cheira a tabaco e as mãos que lhe percorrem o corpo por debaixo das camisolas que a mãe tricota à mão, deixam um rasto morno de cera  Cheiras a bolos, diz-lhe ele. Ensinou-
a a beijar e a travar um cigarro. Luísa molha os lábios, abre a gaveta procurando o maço de tabaco escondido. Estiveste a fumar Maria Luísa? O rosto na mãe perto da sua boca, que ainda sabe à saliva dele. Que está pelo corpo todo. Não, mãezinha. Que eu não fumo. Nem nunca hei-de fumar. Se Deus quiser, não, Maria Luísa. Se Deus quiser, não.

In Deserto do Mundo



Scones


350 farinha sem fermento
80g de manteiga sem sal
170 ml de leite gordo
1 ovo
30 g  de açúcar
2 colheres de  chá fermento em pó
1 pitada de sal fino

Misture a farinha com o açúcar, o sal e o fermento. Corte a manteiga em cubinhos, que deverá estar bem fria, e deite na mistura de farinha. Esfarele tudo com a ponta dos dedos. Bata o ovo com o leite e misture. Não trabalhe muito a massa. Estenda a massa e corte como desejar. Pincele-os com um pouco de leite. Leve a forno pré-aquecido a 180º durante 15-20 minutos . Sirva-os quentes com manteiga ou compota.

sexta-feira, outubro 19

Lúcia ou uma estória simples.


As memórias são atalhos, pensei enquanto sentia o sabor de café com leite. Lembrei-me do cheiro que me tinha feito escrever esta história simples,em tempos. Lembrei-me de um sorriso descarnado que conheci em tempos e de uma casa de costura a transbordar de afectos. Partilho hoje esta história convosco.





Era uma casa velha. Com muros de granito cobertos de hera e tempo. O mesmo que se esboroava na paredes cor de rosa da casa. Onde viviam duas mulheres. Uma velha e outra sem idade, que se pensava ser nova. Mas nunca ninguém soubera a sua data de nascimento. Nem ela. Lúcia, era o nome dessa mulher sem idade, com rosto de criança. Sorriso descarnado, e pregas cobrindo os olhos pequenos. Quando se ria, cobria os dentes amarelados com as costas da mão, enquanto o corpo robusto se dobrava sobre o ventre. Lúcia, assim lhe chamara a velha. Desde o dia em que a trouxera do casebre onde vivia com os irmãos. A quem ela cantava para adormecer. Uma canção sem palavras. Sem princípio, nem fim. Sussurrada de boca fechada. Era a única fêmea de oito. Uma fêmea analfabeta, a quem o pai tapava a boca nas noites em que voltava a cheirar a vinho da taberna. Lúcia. Quantos anos tens, Lúcia? Ela encolhia os ombros e deitava os olhos pequenos e mortiços num tempo que já não vinha. Os irmãos dormindo ao seu lado. O corpo quente do pai, tapando-lhe a boca. E ela sussurrando a canção na esperança de adormecer. Não, não sabia quantos anos tinha. Nem quantos anos ficou naquela casa cuidando da velha. Que tinha um sorriso meigo. E não andava,  presa a uma cadeira de rodas que Lúcia empurrava, pelo carreiro de cimento do quintal. Pelo chão de tábua corrida, que chiava à sua passagem. Travava a cadeira e ajoelhava-se ao seu lado. A vê-la bordar com os dedos deformados e vermelhos. Ou a tentar ler a letra miúda dos livros que lhe faziam arder os olhos. Um dia a velha deixou de conseguir ler as letras miúdas. E quis que Lúcia aprendesse a ler. Para me leres os livros em voz alta. Disse-lhe. Mas Lúcia não quis. As letras eram vazias. Preferia ver as fotografias a preto e branco do tempo em que a velha ainda andava e tinha o cabelo preto. Eram quadrados de papel onde o tempo para além de ser lustroso não corria para parte alguma. Estas também contam estórias. Dizia-lhe. E não fazem arder os olhos. E ajoelhava-se no chão da sala de costura. A que tinha uma janela pequena para estrada. E escutava a velha, que lhe contava as estórias das caras a preto e branco. E por isso Lúcia gostava de ver fotografias. E dos bolos redondos que a velha tendia nos joelhos,  junto à chaminé de pedra da cozinha. Que comia às escondidas enquanto estendia os lençóis. Ficava ali, agachada por detrás dos lençóis e do cheiro a sabão e canela, comendo bolos. Deixando o tempo, que não sabia contar, correr por entre as migalhas de bolos que deixava espalhadas no chão de cimento. 
Um dia a velha não se levantou da cama. E Lúcia nunca mais empurrou a cadeira de rodas. A velha só saía do quarto, quando a Lúcia a transportava ao colo até à banheira. Onde lhe lavava o corpo flácido e engelhado. Lentamente, com uma luva turca que já perdera a cor. Depois vestia-lhe uma camisa de noite lavada e levava-a de novo ao colo até à cama. Ajoelhava-se no chão e cantava-lhe a mesma canção de embalar que cantava aos irmãos para os adormecer. Sem letra. Sem princípio, nem fim. A velha sorria. E dizia-lhe coisas bonitas e meigas que faziam Lúcia sorrir também. Até que um dia a velha sentiu-se pior. E deixou de falar. Lúcia continuou a levá-la ao colo para o banho. E a cantar-lhe a mesma canção. A velha tentava sorrir. Mas a boca deformada já não mexia. Só os olhos sorriam. E abria a boca para lhe dizer as coisas bonitas de sempre. Mas não saía som. Lúcia encolhia os ombros. Não fazia mal. Ela sabia. Ela sabia o que voz da velha não dizia. Colocava-lhe a máscara para a velha poder respirar. Aconchegava-lhe a roupa da cama, ajoelhava-se no chão e cantava a canção de boca fechada.  O tempo que Lúcia nunca soube contar, foi passando. E olhar da velha esmorecendo. O médico e os filhos diziam que se tinha esperar. Que o fim  estaria a chegar. Mas o fim, que se contava num tempo diferente das dores da velha, não chegava. As dores que lhe causavam o choro mudo sempre que Lúcia lhe rolava o corpo na capa. As dores que apagavam os olhos da velha dentro daquele corpo que não queria morrer. Um dia quando a levava ao colo para lhe dar banho, a velha apertou-lhe o braço e chorou. De uma dor ainda maior que a do corpo. A dor do cansaço. Quase que lhe saiu um som rouco da boca muda. Ou assim pareceu a Lúcia , que lhe deu banho. Lentamente. Com a luva de turco sem cor. Que lhe vestiu a camisa de noite lavada. Que lhe aconchegou a roupa da cama. E se ajoelhou ao lado dela. Mas dessa vez em silêncio, enquanto via as lágrimas correndo pelo rosto da velha. Enquanto Lúcia olhava para a mascara presa à botija. A velha fez um gesto com cabeça. Não. Parecera a Lúcia. Que a velha dissera não. E ficou a ali imóvel, enquanto o peito ofegante da velha acalmava por debaixo da roupa da cama. Até que o corpo definhado parou. Lúcia levantou-se. Fechou-lhe os olhos vidrados. Correu as persianas do quarto e sentou-se na berma da cama a chorar. 
Naquela casa viviam duas mulheres. Uma velha. E outra sem idade, mas com rosto de criança. Que ficou sozinha a comer bolos por detrás dos lençóis no estendal, no dia em que a vieram buscar o caixão com o corpo da velha.


in Gineceu, 2009


Brigadeiros Cappuccino




1 lata de leite condensado
1 colher de sopa de manteiga
1 saqueta de café soluvel ( 2-3g)
Cacau em pó


Leve o leite condensado  a manteiga e o café num tachinho a lume brando. Deixe engrossar até fazer estrada ( ao passar com uma colher a massa afasta-se e volta a juntar-se lentamente). Deite o preparado numa tijela untada com óleo e leve ao frio durante uma horas até ficar bem firme. Depois tenda bolinhas e envolva-as no cacau em pó.




sexta-feira, outubro 12

Trigonometria


Seno é razão entre o cateto oposto e a hipotenusa. Espero que valha o dinheiro que lhe pago, dizia-lhe a mãe enquanto lhe servia o prato viscoso de flocos de aveia. Tens de te alimentar, ninguém pensa em jejum, dizia-lhe ao primeiro trejeito da boca. Espero  que valha o dinheiro que lhe pago,  repetia enquanto ele engolia agoniado a papa acinzentada. A mãe escolhera-a por levar mais barato que os outros explicadores de matemática. Uma rapariga andrógina que desenhava círculos perfeitos nas folhas brancas. O cosseno é a razão ente o cateto adjacente e a hipotenusa.  Debruçava o colo seco sobre ele  e com o indicador percorria o circulo trigonométrico. Cheirava a sabonete barato e a tabaco e tinha uma caligrafia perfeita. Tinha uns olhos profundos num rosto feio e um sorriso fácil. Tangente é a razão entre o cateto oposto e o cateto adjacente. Bebia café por uma caneca que a mãe, sempre de chinelos e cabelo por pintar, lhe trazia. Depois da mãe sair ela fechava a porta num gesto seco e em circulo, que acabava no tirar da t-shirt, invariavelmente branca.  Ele levantava os olhos do quadriculado vazio e parava-os no corpo leitoso e magro que ela lhe oferecia na cama de corpo e meio. A co-tangente define-se como inverso da tangente. Espero que valha o dinheiro que lhe pago. A boca ainda lhe sabia  a tabaco e sabonete. Vais sair em jejum? Faz-te mal.  Amo-te, dissera-lhe ontem depois dela tirar a t-shirt. Ela deitou-se sem  o olhar. Repete-me a fórmula fundamental da trigonometria.

Queques de pequeno almoço


2 ovos
50g de manteiga sem sal
80 g de açúcar amarelo
200ml de sumo de maçã
100g de flocos de aveia
180g de farinha
1 colher de chá de fermento em pó
100g de framboesas congeladas
50g de amêndoas laminadas

Deite os flocos de aveia no sumo de maçã e deixe-os absorver  o sumo. Bata a manteiga amolecida com o açúcar e depois junte os ovos. Junte papa de aveia e sumo e depois a farinha, o fermento . Junte as framboesas ainda congeladas e envolva. Distribua o preparado por formas de queques e salpique com as amêndoas laminadas. Leve ao forno, pré-aquecido a 180º por 20 minutos ou até ficarem dourados.

terça-feira, outubro 9

Beautiful




Escrevo-te uma carta num tempo de palavras virtuais. Gosto do correr da minha letra que sempre foi ilegível. Como se a mão se prolongasse indefinidamente num tempo reflexivo. Como estás, pergunto, como andas? Quando o que realmente escrevo, naquelas palavras surdas por detrás da tinta, é, como estou? Como estão os miúdos? Dizem que o Outono desse lado do Oceano, é lindo.

A mãe senta-se na mesa e põe os sacos na cadeira ao lado. O miúdo senta-se sem a ver, de olhos postos na consola. A mãe fala com ele, debruçada, sem lhe tocar. O miúdo não a ouve.

Talvez te vá visitar para o ano. É a promessa que sabes que não irei cumprir mas que faz sentido ser recorrente numa carta que busca saudades numa vida tão diferente do que devia ter sido. Talvez te vá visitar para o ano, quando as coisas estiverem melhores.

A mãe aponta-lhe o Outono que já começa a chegar à calçada e responde pela mudez do filho. Suspira e bebe o café. Tem um ar demasiado cansado que lhe envelhecem os poucos trinta que tem. A luz oblíqua e dourada de Outubro ilumina-lhe meio-rosto.

Falo-te do Outono de cá, mas não do Outono perene fora da cidade, que esse não tem lugar no nosso imaginário, antes daquele que dentro de umas semanas irá cobrir as calçadas da cidade. Falo-te do tempo que corre lá fora. O cá dentro fica em silêncio por já ser lá fora demais.

A mãe e o filho continuam o monólogo inútil. As outras mesas preenchem-se com pessoas de rostos iguais. As folhas caem no tempo invisível de sempre. Eu deito a folha de papel fora.

Os afectos já não se medem em papel.

And the leaves fall from red to brown
To be trodden down
Trodden down
And the leaves turn green to red to brown
Fall to the ground
And get kicked around

(Beautiful- Marillion)


A confeitaria aceitou mais um desafio do Convidei para Jantar,  desta vez em casa da Vera, sob o tema Idolos musicais.
A confeitaria escolheu Marillion,  e esta música deu o mote às historias de ler de comer, de hoje.



Strudel de marmelo e pêra



4 folhas de massa filo
2 marmelos
3 pêras
50g de sultanas
4 colheres de sopa de açúcar
2 colheres sopa de vinho do Porto

Deite as passas numa tacinha com o vinho do Porto e deixe-as repousar pelo menos duas horas. Corte os marmelos e as peras em cubos pequenos. Leve-os numa frigideira ao lume com o açúcar e com as passas e o vinho do porto e deixe reduzir(retire mal veja que a fruta se está a desfazer)
Pincele as folhas de massa filo com manteiga, sobreponha-as, deite o recheio, completamente arrefecido e enrole como se fosse uma torta.
Leve a forno pré-aquecido a 200º até ficar dourada por fora.
Polvilhe com canela e açúcar em pó antes de servir.





quinta-feira, outubro 4

Da memória das letras


Tinha uma drogaria no rés do chão de um  prédio de dois andares. Um prédio velho de varandas absurdamente estreitas com  grades torneadas.  Era uma pequena loja impregnada de cheiro a tintas e benzina. Também vendia sabonetes e pó de talco, embrulhados  no mesmo  papel manteiga onde colocava as dúzias de pregos e meadas de arame. Sentava-se atrás do balcão de madeira com um caderno de folhas brancas e um lápis afiado com navalha, e enquanto desjejuava com uns biscoitos de canela que comprava na mercearia em frente, tentava lembrar-se. Porque o que ele queria ser era um grande escritor, daqueles que escrevem livros de lombadas largas e com edições de capa rija. Mas as ideias, as histórias só vinham de noite, naqueles breves instantes que antecedem o adormecer. Histórias formidáveis que eram varridas de manhã. Sempre tivera uma memória fraca, e uma imaginação lavada pela benzina. Por isso ele ficava ali, atrás do balcão, todas as manhãs, na esperança que lhe pingassem palavras do bico do lápis. Mas nada. Em cima do caderno, só as migalhas dos biscoitos. Depois a sineta da porta, que era uma velha sineta de escola, anunciava um cliente. Ele punha o caderno de lado,  sacudia os restos de canela  das camisa coçada, aviava os pedidos no pequenos embrulho de papel manteiga e depois pedia-lhes que fizessem as contas num canto de papel. Sorria meio envergonhado, enquanto ajeitava as latas de tinta na prateleira. Tiraram-me da escola antes de aprender a juntar as letras. Diziam que eu não tinha cabeça para os estudos. De lá só consegui roubar o sino.

Bolachas de canela com doce de maçã



200g de açúcar em pó
200g de  manteiga sem sal
400g de farinha sem fermento
2 colheres de chá de canela
1 ovo inteiro + 1 gema
Pitada de sal fino
Passas
Doce de maçã para rechear

Bata o açúcar com a manteiga até obter um creme. Junte a canela, o sal e depois os ovos, batendo sempre.  No fim adicione a farinha. Faça uma bola com a massa e leve ao frio durante 1 hora, embrulhada em película aderente. Estenda a massa numa superfície polvilhada com farinha e corte com um cortador à sua escolha. Depois coloque uma passa em metade das bolachas e leve ao forno pré-aquecido a 180º até ficarem com as bordas ligeiramente douradas. Retire do forno e deixe arrefecer completamente. Depois coloque uma colher de doce de maça numa bolacha e cubra com uma das que tenha levado passa.