sábado, fevereiro 25

Simone

Só fumava tabaco de enrolar. Fazia-o girar lentamente por entre as mãos que arranjava na manicure, que era uma rapariga que colocava lenços de papel no soutien para aumentar o decote. Só fumava tabaco de enrolar e camuflava a mediocridade com a voz colocada daqueles que ambicionam o poder. Citava frases feitas, que levava escritas em papéis dentro do bolso do casaco, enquanto sorria com os dentes amarelos para a manicure. Ela parava de lhe limar as unhas para o escutar. Uma vez disse,o Inferno são os outros, sabes? A rapariga suspirou de alívio e disse. Também gosto muito de Sartre. De Sartre e de tarte Tatin.

Tatin de Pêra



8-9 Pêras maduras, cortadas em quartos
100 g de manteiga sem sal
150g de açúcar
1 base de massa folhada redonda

Leve a manteiga e o açúcar numa frigideira ao lume, até fazer um caramelo ( este deverá ter uma cor âmbar escura. Se ficar muito escuro poderá sobrepor-se ao sabor suave das pêras). Junte as pêras cortadas em quartos de deixe caramelizar durante 5 minutos. Depois, começando numa ponta volte-as deixando caramelizar até reduzir o molho. Cubra com a massa folhada, voltando as extremidades para dentro. Leve ao forno pré-aquecido a 220º durante 15.a 29 minutos até a massa folhada ficar bem dourada.


Esta tarte entrou no desafio Dorie às Sextas que está a decorrer no Facebook.

quinta-feira, fevereiro 23

Por trás daquela janela

Por trás daquela janela há uma mesa de tampo de latão. Há a luz da cidade que pinga nos cortinados a imitar renda. Há os teus dedos esquecidos no cabedal do sofá. Há um tempo que cresce por entre os móveis e o cheiro a óleo de cedro. Um tempo que não se coa de impurezas, as memórias constroem-se assim, de luz e sombras.Há música aos domingos de manhã, e os teus dedos, longos e brancos que seguram no preto do vinil. Não sabia eu, que a musica que punhas viria um dia a ser as letras daquilo que escrevo. Por trás daquela janela  eu cresci no quarto de paredes cor de rosa. Ficavas à porta e não gostavas que ouvisse Zeca, lembras-te? Abriam-te feridas de uma guerra de que só ouviste falar. Demorei tantos círculos de tempo para compreendê-las. Foi o que pensei, hoje enquanto me tentava lembrar se gostavas de cravos brancos.




p.s Hoje a confeitaria não tem estórias de comer. Só retalhos de memória.

sexta-feira, fevereiro 17

Corin Tellado

A prima era uma rapariga gorda, de gengivas fartas e rosadas que lhe transbordavam sempre que sorria. Sentava-se ao topo da mesa da cozinha, a contar-lhe as proezas que fazia com os rapazes da praceta, enquanto comia pêssegos enlatados cobertos com massa de suspiro que a avó lhe deixava no frigorífico. Chamava-os pelo nome próprio, num tom de escárnio que lhe fazia tremer o canto da boca. E ficava ali, de perna traçada a encher o corpo com os pêssegos enquanto os olhos se esvaziavam de tudo. Depois, deixava o prato no lava-louça e perguntava-lhe, queres ler? Tirava os livros, guardados por debaixo dos panos da loiça, que comprava na papelaria à saída da escola. Compro um por semana, dizia-lhe. São estórias muito lindas. Eram estórias de paixões felizes vividas por mulheres de aspecto frágil e esguio. Ela ficava ali, ao topo da mesa da cozinha, com os olhos vazios a encherem-se de comoção, enquanto molhava o indicador com saliva para mudar as páginas. São histórias muito lindas. Às vezes os rapazes da praceta gritavam-lhe obscenidades. Ela fechava o livro e baixava os estores para não os ouvir. Depois suspirava e dizia, tenho fome.

Pêssegos com suspiro e amêndoa



1 lata de pêssegos em calda
3 claras
8 colheres de sopa de açúcar
80 g de miolo de amêndoa moído
2-3 colheres de sopa de licor de amêndoa amarga

Misture o licor com a amêndoa até obter uma pasta. Reserve.
Bata as claras em castelo e depois adicione o açúcar e bata até obter uma massa de suspiro consistente.
Escorra as metades de pêssego em calda, recheie as cavidades com a pasta de amêndoa e cubra com suspiro. Leve a forno pré-aquecido a150º durante cerca de 20 minutos.  

sexta-feira, fevereiro 10

Dafundo


O meu filho não passava sem casca de laranja a acompanhar o café. Dizia-lhe D. Natércia enquanto cortava o alinhavo com os dentes. A luz entrava a jorros pelo vidro martelado da marquise. O barulho da máquina de costura marcava o passar do tempo. Gustavo. A fotografia na moldura de estanho em cima da mesinha da sala. Gostava que o tivesses conhecido melhor. Dizia-lhe D. Natércia. Dele só se lembrava do barulho da chave na porta. Olá mãe, e o vulto de cabelo quase ruivo a sumir-se ao fundo do corredor. Mas conhecia-lhe a história, os gostos e hábitos pela voz de D. Natércia, enquanto chuleava as peças de tecido. Como se os olhos de um verde indefinido ganhassem vida para além da fotografia da mesinha e estivessem ali sobre ela, sobre os seus dedos picados pela agulha. Gustavo, dizia baixinho, adoçando-lho o nome na boca, que as coisas repetidas muitas vezes se tornam verdade. E sentia-lhe o cheiro das camisas, ainda penduradas no armário do quarto onde provavam as clientes. Acariciava-lhe o tecido, enquanto as senhoras se mudavam, e imaginava-lhe o toque da pele. Gustavo. Um eléctrico apanhara-o mesmo à porta do Aquário Vasco da Gama. Ao menos não sofreu, dizia D. Natércia enquanto disfarçava as lágrimas com a rinite alérgica. Tens umas mãos de fada, rapariga. Gostava que o tivesses conhecido melhor. E ela sorria, sempre que lhe deixava flores na campa. Com todo o meu amor.

Casca de laranja cristalizada



Casca de 3 a 4 laranjas
250 g de açúcar
250 ml de água
50 g açúcar granulado
Chocolate em barra

Corte as cascas de laranja em tiras muito fininhas. Ferva-as por três vezes sucessivas. Depois num tachinho, leve-as ao lume com o açúcar e a água. Deixe em lume brando até secar a calda. Depois deite-as num tabuleiro forrado com papel vegetal, polvilhe-as com o restante açúcar e leve-as  ao forno pré-aquecido a 80º até secarem.
Se desejar mergulhe-as em chocolate derretido em banho Maria

Receita adaptada de  Leonor Sousa Bastos

quarta-feira, fevereiro 8

Brushing



Estranhava-lhe a forma de vestir e os olhos pintados de preto. Do espelho do cabeleireiro, que ficava no rés do chão do prédio da avó, espreitava-lhe o gestos lentos e os olhos indiferentes às conversas com cheiro a champô e amoníaco. Lavava cabeças. Menos quente, pedia-lhe, evitando tratá-la pelo nome próprio, Sílvia. Olha que ela gosta de mulheres, dizia-lhe a avó. Por isso, nunca a chamava pelo nome, que os nomes trazem excesso de intimidade. Põe creme? Só nas pontas, respondia enquanto pensava no incómodo que era ter a cabeça nas mãos de uma mulher que guardava uma fotografia de outra na bata preta.  Pelo espelho observava-a, encostada ao carrinho dos rolos e das escovas, sorrindo para uma  fotografia tipo passe, tirada numa estação de metro qualquer. Depois tirava da mala um queque de chocolate embrulhado num guardanapo de papel e ficava ali, com os olhos pintados de preto perdidos no chão cheio de cabelos. Ela, sentada na cadeira em frente ao espelho, com os cabelos a pingar na tolha branca, imaginava-a aos beijos com outra, que deveriam ter um sabor diferente, que ela, graças a deus, só beijara homens.  Mas por mais que se esforçasse, não podia evitar de pensar a que saberia aquela boca com migalhas de bolo ao canto, sempre que Sílvia, ao deitar fora o guardanapo de papel, dizia, sou doida por chocolate.

Queques de chocolate



125 g de manteiga
150 g de açúcar
200g de farinha sem fermento
100g de chocolate
3 ovos
30 ml de leite
30 ml de café expresso
40 g de cacau em  pó
1 colher de café de sal fino
1 colher de chá de fermento 
1 colher de chá de extracto de bauinilha

Pré-aqueça o forno a 180º Derreta no microondas a manteiga com o chocolate. Depois de derretido junte o leite, a baunilha e o café. Bata os ovos com o açúcar e junte a mistura de chocolate e manteiga. Misture a farinha com  o cacau, o sal e o fermento e junte cuidadosamente à outra mistura. Leve ao forno em forminhas de papel durante 20 minutos

quarta-feira, fevereiro 1

Sucessão

Somos apenas uma soma não comutativa de acontecimentos e escolhas. Sem credos em dons ou inspirações. Somos pouco mais que a sinuosidade do caminho, que teimamos em acreditar curvo,  pois as rectas desembocam em horizontes demasiado nítidos para os nossos medos. E enquanto a mulher de unhas postiças me falava em destino e outras opressões,  pensei que deveria ter juntado mel aos caramelos que comia.


Caramelos de mel e flor de sal


250 ml de natas
75g de manteiga sem sal
1 colher de  chá de flor de sal
350g de açúcar
60 ml de mel
50 ml de água
2 colheres chá de baunilha

Leve o açúcar, o mel e água ao lume até fazer ponto de caramelo. Entretanto leve as natas, a manteiga e a flor de sal a lume brando e apague mal levante a fervura. Adicione as natas quentes ao caramelo e junte a baunilha. Deixe apurar em lume brando durante 10 minutos. Forre um tabuleiro com papel vegetal untado com manteiga e leve ao frigorífico até solidificar. Depois de solido, corte em pequenos cubos e embrulhe em papel vegetal.

Receita adaptada de Ina Garten