Doze, come duas a duas que custa menos. Dez, porque são para
a boa sorte. Oito, lá fora a transparência
de mais uma noite. Seis, cá dentro a desenhar janelas para um tempo que nunca
seria seu. Quatro, os verbos a descobrirem-se circulares. Dois, as doze passas
ainda cerradas não mão. Não as comes?
Assim perdes os desejos.
Paciência. Nunca gostei de passas.
segunda-feira, dezembro 30
sábado, dezembro 21
Vidro azul
Os enfeites de lá eram guardados numa caixa diferente. Talvez por serem de vidro, tão frágeis quanto as recordações contadas por meias palavras. Quando, ao abrir a caixa, se descobriam os fragmentos de algum que tivesse partido, o meu pai dizia com um encolher de ombros resignado: Mais um. E o tempo contava-se pelo número de cacos de vidro colorido. Quando se partiu o último, que era azul, teriam passado quinze anos do retorno e o meu pai disse: Foi o último. E dentro da caixa dos enfeites de lá passou-se a guardar um presépio comprado numa qualquer rua de Algés. Nunca lhes dei importância, eram apenas enfeites de vidro pintado. Pensava eu. Hoje, inexplicavelmente, consigo lembrar-me de todos os pequenos detalhes da tinta branca sobre o vidro azul. E também dos dedos longos e excessivamente brancos da mão do meu pai pendurando-os na árvore, juntamente com as memórias de lá.
sexta-feira, novembro 29
Lá fora
Lá fora havia um ninho. Não acordem os pássaros e eles com os pés descalços na erva orvalhada. Não acordem os pássaros, a mãe sentada lá fora onde moravam agora os pretéritos e tudo o que nunca fora. Lá fora ainda eram cinco e a mãe. Ainda eram crianças e o mundo era demasiado grande para caber nos olhos. Era o aconchego, o princípio de tudo, que tantas vezes é apenas a primeira página de qualquer coisa. Lá fora ficaram as histórias contadas na voz morna que ainda pingava no soalho de dentro. Que o luto se faz por entre a angústia das paredes. Que umas vezes são pedra, outras vezes são apenas um retalho baço de memória. Havia um ninho, o cheiro da mãe, que não tinha perfume mas sim palavras, a música que cessou depois dos sete palmos. Restara apenas uma porta para lá fora, onde, dizem, se desenhou a primeira palavra da história: mãe.
Texto inserido na exposição Bolota, 1/4 adiante
(A partir de 30 Novembro a 26 de Janeiro no Museu da Cerâmica das Caldas da Rainha)
segunda-feira, setembro 30
Aguaceiro
Hoje não trago uma história de letras. Nada que se conte em
seis, dez ou vinte linhas. Só uma cesta de pêras madura esquecida num canto da
cozinha. Só uma vontade de emudecer as mãos, porque os dias de chuva são assim,
voltados para dentro.
Mousse de pêra William
4 pêras William bem maduras
2 colheres de sopa de açúcar
250 g de queijo creme
3 claras em castelo + 3 colheres de sopa de açúcar
Sumo de meio limão
3 folhas de gelatina
Descasque as pêras e corte-as em cubos. Leve-as num tachinho
a lume brando, juntamente com o açúcar e
o sumo do limão até estarem bem cozidas. Depois passe-as pela varinha mágica
até obter um puré bem fino.
Leve as folhas de gelatina, previamente demolhadas em água
fria, durante 15 segundo ao microondas juntamente com 2 colheres de sopa de
água. Junte esta mistura ao puré de pêra e deixe arrefecer um pouco. Depois junte o queijo creme.
Bata as claras com o açúcar até obter um merengue espeço e
envolva-o com a mistura anterior. Leve ao frio durante 2 a 3 horas.
domingo, setembro 22
Equinócio
Setembro tem um tempo oblíquo e liquefeito. Dizem que se
encurtam os dias. Talvez só se encurtem as janelas, aquelas que cerramos só por
hábito, que o medo é um deles. Setembro
cheira a maçãs, a colheitas tardias, dizem, a mim ficam-me nas mãos os aromas
dos retalhos,essas memórias que se
desfiam e alinhavam com as vozes dos tempos quentes. E depois esperamos,
esperamos sempre, os dias de inverno, que por serem noites longas, aprendemos a
temer
Maçãs com merengue ( para 4)
4 maçãs reinetas
1 colher de sopa de manteiga
1 colher de sopa de açúcar
1 colher de sopa de açúcar
2 colheres de sopa de brandy
3 claras
6 colheres de sopa de açúcar
Sumo de limão
Descasque e descaroce as maçãs. Corte-as em cubos. Leve a
manteiga com o açúcar ao lume até caramelizar ligeiramente. Junte a maçã e
regue com o brandy. Deixe cozinhar até as maçãs ficarem amolecidas.
Bata as claras em castelo e junte as 6 colheres de sopa de açúcar e as gotas de
sumo de limão. Bata até obter um merengue bem firme.
Deite maçã em taças que possam ir ao forno e cubra com o
merengue. Leve a forno pré-aquecido a
150º durante cerca de 30 minutos.
quinta-feira, setembro 19
Escrever o Outono
Em forma de história, que também pode ser um poema ou apenas um olhar cheio páginas em branco.
Mais informações aqui
quarta-feira, setembro 11
Tipo Inglês
Todos pensavam saber o porquê da promessa. Se é um santo António em tamanho de gente é porque procura alguma coisa que perdeu ou que ainda não achou. Noiva não seria, porque passara há muito a idade casar, só se fosse um caso de amor serôdio. Talvez dinheiro, que é coisa que todos procuram. Não, diziam as velhas da igreja, devia ser a cura para alguma doença dos pulmões, que desde criança tivera um ar enfezado, e não há melhor achado que uma saúde da boa. Os homens da tasca, esses criam que fora um animal perdido da fazenda, talvez um boi ou um cavalo velho. Fosse o que fosse, José Inácio, depois de largar as broas na igreja, fechava-se no seu quarto onde mandara pôr uma salamandra, na esperança que a lenha de oliveira lhe aliviasse a dor nos ossos que o consumia desde criança. Abria a janela que dava para lá fora, ficava dois ou três instantes a suspirar pela canja que a mãe lhe fazia quando com as dores não se conseguia levantar da cama e depois retomava a sua empreitada. Mas para que queres tu um santo desse tamanho, José Inácio? E o Santo a crescer com o Menino ao colo. Não há promessa, para Deus Nosso Senhor, que tenha de durar tanto, José Inácio. E ele a lembrar-se dos sapatos de atacador que perdera, aqueles que a mãe lhe oferecera quando o começara a ensinar a dançar. Não lhe bastara perder a mãe e tivera também que perder os sapatos. Mas faltava pouco, só os caracóis do menino e depois o responso dito baixinho, para os encontrar. É doença nos pulmões, com certeza, repetiam as velhas, e ele a ver-se a fazer bonito nas festas de Junho, a encontrar os passos todos certinhos enfiados nos seus sapatos de atacador, picotados no peito do pé.
Texto integrante da exposição Bolota 1/4 adiante.
quarta-feira, setembro 4
Dois anos
É sabido que o tempo passa depressa. Um impermanência da qual guardamos apenas retalhos a que chamamos memórias.
As memórias destes dois anos de porta aberta, tenho-as alinhavado numa longa manta de retalhos a que chamo estórias de ler e comer. Que só ficam completas com os vosso olhar. Olhos de ver.
O meu obrigada por estes dois anos. Bem hajam.
Brownies para quem gosta realmente de chocolate
475g de chocolate em barra
300g de açúcar
250 g de manteiga sem sal
25 g de cacau em pó
5 ovos
150 g de farinha
2 colheres de chá de essência de baunilha
pitada de sal fino
Derreta o chocolate com a manteiga em banho maria. Reserve. Bata os ovos com o açúcar. Junte o cacau, o sal e a baunilha a esta mistura. Junte o chocolate derretido. Envolva a farinha cuidadosamente. Leve a forno pré-aquecido a 180º durante 30 minutos, num tabuleiro quadrado forrado com papel vegetal
sugestão: sirva com framboesas.
sábado, agosto 31
Regresso
Regressávamos sempre, mesmo quando partíamos cedo para lá chegar antes do almoço. Da janela do carro via as árvores que corriam atrás de nós, pingando o fim de tarde nas folhas,
porque o regresso, nas memórias, se faz sempre ao fim da tarde. E no silêncio interrompido por aquela amargura sem palavras, a que chamavam saudade de lá, aprendi a não
perguntar muita coisa porque o que não se sabe também não se esquece.
segunda-feira, agosto 19
Maresia
Há dias que são apenas manhãs. Há manhãs onde correm todos os anos dos pretéritos. Há sempre uma neblina que cheira a mar e um café quente por entre as mãos unidimensionais do presente. E um tempo que somos nós de olhos postos numa janela.
sexta-feira, agosto 2
Olhos nas pontas dos dedos
Ninguém
se lembrava realmente como ela era. Nem da idade, nem do nome, pois uns
chamavam-lhe Maria, Mariazinha, outros Zé, apenas, mas nunca o verdadeiro, o de
baptismo, Maria José. O rosto esbatia-se nos traços das caras dos outros.
Ninguém se lembrava de parecenças maternas ou paternas, se era feia ou bonita. Saiu
de cá há tanto tempo, diziam. E por isso falavam, como falavam de tudo o que
lhes causava estranheza, como a queda de um raio no telhado da igreja, ou a chegada
de um estrangeiro à terra. Falavam do que não se recordavam dela, pois só Cecília
se lembrava, não por ser a mais velha dos irmãos, mas por ver com os olhos de
dentro, que os dela não tinham nem cor, nem memória. E era ela, quem todas as
primeiras sextas-feiras do mês esperava o toque da campainha do carteiro, que
chegava numa bicicleta velha de correias a chiarem. Tens mais uma carta para
ti, Cecília. Das do estrangeiro, vê-se pelo selo. Ela sorria-lhe à voz,
agradecia e ficava no alpendre até o chiar das correias esmorecer na curva da
terra batida. Depois, com as pontas dos dedos raspando as paredes das escadas, subia
até ao quarto mais alto, e ali ficava de envelope entre as mãos. Não precisava
de o abrir para saber o que dizia, dentro daquele quadrado de papel moravam os
seus olhos para o mundo. Vinham saudades do tempo em que ainda eram pequenas.
Diz-me que cara fez aquela mulher, pedia-lhe Cecília, quando brincavam na Praça.
Maria José fazia-lhe uma careta e passava-lhe a ponta dos dedos pelo rosto, uma
cara assim, e Cecília ria-se, são estranhas as caras dos outros. Antes de
guardar a carta da gaveta de cima da cómoda, passava de novo com as pontas dos
dedos sobre o envelope, e dizia, este ano que passou deixou-te mais uma ruga no
rosto, Maria José.
( texto integrante da exposição, Bolota 1/4 adiante)
A Confeitaria vai de férias. Reabre no voltar do mês. Até lá!
( texto integrante da exposição, Bolota 1/4 adiante)
A Confeitaria vai de férias. Reabre no voltar do mês. Até lá!
terça-feira, julho 30
Janela
Não há nada mais humano do que a escolha. Mas esta só existe se conhecermos o maior conjunto possível de opções. Sem as conhecer só nos resta imitar comportamentos. Porque é suposto, porque todos os outros fizeram o mesmo, porque quem nos educa diz que é o mais certo, o melhor para nós. Mas será? Seremos assim tão iguais?
“Apresenta o Dream Lab”, pediram-me, e eu, uma mãe que já foi filha de pais que apenas quiseram o melhor, aquele melhor igual a todos os outros, pensei, como se apresenta um projecto, que também é um sitio, que apenas é uma janela? Porque é disso que se trata. Será isso que irá acontecer : uma janela de escolhas. Fora do tradicional, se acreditarmos que a tradição é apenas a repetição do passado, e que crê acima de tudo que só conseguimos, nós, os nossos filhos, ser bons a fazer aquilo que gostamos.
E é apenas isto que aqui trazemos: uma janela onde nos iremos debruçar para percursos de vida que a dada altura inflectiram no comum, no normal, e descobriram um caminho profissional de sucesso, ainda que alternativo. Vamos ver para além da fotografia, construir uma história de banda desenhada, ilustrar emoções, ser por umas horas verdadeiros meninos da rádio. Saber o que move o olhar de um jornalista e as mãos de um designer.
É isto que irá acontecer num laboratório de sonhos, neste fim de Verão, num tubo de ensaio que tem o tamanho que a vontade quiser. Porque, aos quinze somos iguais ao que somos aos cinquenta um: apenas um produto das nossas escolhas.
O Dream Lab é um projecto que mais do que meu, sou eu. Aos que são agora adolescentes ou pais de adolescentes, digo: espreitem esta janela. O mais certo é encontrarem-se do outro lado da rua.
“Apresenta o Dream Lab”, pediram-me, e eu, uma mãe que já foi filha de pais que apenas quiseram o melhor, aquele melhor igual a todos os outros, pensei, como se apresenta um projecto, que também é um sitio, que apenas é uma janela? Porque é disso que se trata. Será isso que irá acontecer : uma janela de escolhas. Fora do tradicional, se acreditarmos que a tradição é apenas a repetição do passado, e que crê acima de tudo que só conseguimos, nós, os nossos filhos, ser bons a fazer aquilo que gostamos.
E é apenas isto que aqui trazemos: uma janela onde nos iremos debruçar para percursos de vida que a dada altura inflectiram no comum, no normal, e descobriram um caminho profissional de sucesso, ainda que alternativo. Vamos ver para além da fotografia, construir uma história de banda desenhada, ilustrar emoções, ser por umas horas verdadeiros meninos da rádio. Saber o que move o olhar de um jornalista e as mãos de um designer.
É isto que irá acontecer num laboratório de sonhos, neste fim de Verão, num tubo de ensaio que tem o tamanho que a vontade quiser. Porque, aos quinze somos iguais ao que somos aos cinquenta um: apenas um produto das nossas escolhas.
O Dream Lab é um projecto que mais do que meu, sou eu. Aos que são agora adolescentes ou pais de adolescentes, digo: espreitem esta janela. O mais certo é encontrarem-se do outro lado da rua.
terça-feira, julho 23
Surdez
Há uma surdez particular que se confunde com falta de humildade. A mim parece-me sempre um sintoma de medo. Que tresanda na pele daqueles que se levam muito a sério.
sexta-feira, julho 19
Amélia
Quando percebeu, tinham passado trinta anos lá fora. Todos sabiam menos ele. Que continuava a afastar os cortinados do seu primeiro andar com os dedos, sempre que ouvia na rua um Citroen dois cavalos. Era azul, e ela usava uma boina branca. Buzinava e subia todas as segundas feiras quando voltava do conservatório. Quando percebeu que tinham passado trinta anos lá fora decidiu que nunca mais seria segunda feira. E na manhã de terça lembrou-se que nunca tinha chegado a beijá-la.
quarta-feira, julho 17
Dos amores e dos detalhes
Ela costumava contar histórias de amor enquanto mexia o tacho das compotas. Encostava-se ao fogão e começava . Nunca pelo o principio, porque quem se apaixona nunca se lembra bem do antes. Eram histórias de amor bizarras, pois nunca tinham finais felizes. Nem trágicos. Eram histórias povoadas de pessoas normais. Isso não são histórias de amor, diziam-lhe. As verdadeiras têm amores contrariados, declarados em frases com dois ou mais adjectivos e beijos finais debaixo de aguaceiros de verão. As dela debitavam amores possíveis de meia idade, cheios de rugas e flacidez. Onde os beijos se davam entre o amarelo do tabaco e a lixivia mal disfarçada pelo cheiro a glicerina. As metáforas e os versos, esses encontrava-os no desalento dos dias ou no repetir das horas. Isso não são verdadeiras histórias de amor, diziam-lhe, são de desencanto. E ela respondia, mexendo sempre o tacho das compotas, só se desencanta quem nunca encontrou um amor nos detalhes .
Compota de alperce e cravinho
1kg de alperces
350 g de açúcar
6 cravinhos
Deite os alperces cortados em pedaços e o açúcar numa taça e deixe a macerar de um dia para o outro. Depois leve a lume brando juntamente com os cravinhos até fazer ponto (tirando um pouco de compota para um prato frio esta deverá manter-se separada depois de passar com uma colh
terça-feira, julho 9
Viagem no tempo
Somos todos os tempos verbais sem qualquer linearidade.
Trazemos em nós um presente que se engole num acorde, num cheiro ou noutra qualquer memória primária sem registo ou idioma . São hiatos no tempo que permanecem em nós, contrariando o
compasso binário dos relógios lá fora.
domingo, julho 7
António José
Vejo-a de novo no cemitério. Corta meticulosamente os pés dos cravos brancos para que fiquem todos do mesmo tamanho. São sempre brancos, mesmo quando não são cravos. Guarda a tesoura de costura dentro da mala coçada nos cantos, tira um trapo feito de lençóis velhos e limpa a fotografia a preto e branco logo ao lado do nome em letras douradas. Depois com uma vassoura pequena varre toda a poeira e restos de folhas secas da laje. E fica ali um pouco, de mãos cruzadas no ventre, mexendo os lábios. Uma reza muda. Guarda a vassoura e olha para foto, suspirando sem lágrimas. Levanta o queixo e olha em volta. O coveiro afasta-se empurrando o carrinho de mão, que chia ao longo do carreiro calcetado. Já vai longe. Suspira de novo enquanto afasta as mãos para ancas. Cospe para a foto e sorri triunfante. Com o trapo limpa de novo o vidro da fotografia. Vá. Agora bate-me se conseguires. E solta um risinho nervoso enquanto ajeita uma madeixa que se soltou do carrapito oleoso.
.
Deserto do Mundo, 2010
sexta-feira, julho 5
Urgência
Somos um país onde se desvaloriza o tempo. Ficamos pelas três dimensões suspensos na indecisão. E esperamos, esperamos, sem perceber que para mudar é preciso escolher. A tempo.
quinta-feira, julho 4
Ouro de Viana
Quando noivou, a madrinha que era de Cardielos, deu-lhe um par de arrecadas, uma soga e três moedas de ouro furadas. Que já não te acode a tua mãe, tenho eu de olhar por de ti, merecias melhor com esses olhos azuis de gente de porte, mas o rapaz é trabalhador, pelo menos tem as mãos limpas de terra, que não é vergonha nenhuma, mas a gente sabe que é melhor assim. Guardou-as, às arrecadas, à soga e às três moedas furadas, numa caixa de madeira de cheiro, que o noivo lhe mandou do Brasil, prometendo-lhe que casavam no verão seguinte, que era sempre o seguinte. E por isso quando já os verões se deixaram de contar numa só mão, começou a derreter o ouro na vela, a mesma com que pedia à Senhora que ele voltasse. Com o ouro mando fazer as nossas alianças, escreveu-lhe sem nunca ter resposta. A soga vendeu-a, só este cordão dava- lhe cinco anéis, disse-lhe o ourives, um por cada ano de espera, que depressa se multiplicaram pelas três moedas. Tenho de cuidar de ti, que não te acode a tua mãe, uma arrecada sobre a vela, as cartas que iam sem volta, outra arrecada, os olhos azuis a morrerem na espera, uma moeda, a mãe lá fora a chamá-la quando ainda era pequena, duas, e antes da terceira moeda, a irmã de quem ninguém conhecia a cor dos olhos entrou no quarto, e debruçando-se sobre ela, sussurrou-lhe, cheiras a flores de vestido de boda. Limpou-lhe a lágrima que nunca caía, pegou na última moeda ainda presa na ponta de uma fita, pendurou-lha no pescoço e disse-lhe, não vale o azul dos teus olhos, algo tão sem cor como é a espera.
Hoje a estória é só de ler. Uma estória escrita para exposição Bolota 1/4 adiante que tentou contar com palavras o contributo da joalheira Liliana Alves.
quarta-feira, julho 3
Palavras na montra da confeitaria.
A porta da Confeitaria está de novo aberta. Com estórias de ler e de comer, que agora nem sempre virão aos pares, pois o cansaço veste-se muitas vezes de presságio de mudança. E agora, esta confeitaria de palavras que se querem de açúcar por vezes só vos trará a imagem da vossa leitura. Porque para mim, a palavra virá sempre primeiro.
Aos leitores resistentes, obrigada. As portas estão abertas. A mudança também.
quarta-feira, junho 5
Dia Zero
Há dias em que urge recomeçar a partir de um zero de uma
numeração qualquer. Não interessa o sistema numérico, apenas a ausência do que
ficou para trás. Há dias em que o nada é apenas um algarismo. O primeiro. O
começo.
A confeitaria urge numa pausa. Que a gerência espera ser
breve.
(E neste compasso de espera fica um bolo leve e delicioso)
Bolo de claras e framboesas
4 claras
5 colheres de sopa de farinha com fermento
10 colheres de sopa de açúcar fino
300 g de framboesas frescas ou congeladas
Bata as claras em castelo bem firme e adicione o açucar.
Bata até obter um merengue espesso. Peneire a farinha e envolva cuidadosamente.
Envolva as framboesas. Leve numa forma de bolo inglês untada com manteiga e polvilha com farinha,
ao forno pré-aquecido a 160º durante 45 minutos.
sexta-feira, maio 17
Nova lenda das Amendoeiras
A chegada da neve não bastou para apagar a saudade dos copados de flores brancas que se estendiam até ao mar. Não chegou para apagar o cheiro de maré vazia que vinha nas cartas sem papel e nos telefonemas a horas mortas. Tens-te alimentado? Vens cá pelo Verão? A voz da mãe pelo telefone, que já não era o da mercearia que a avó usava para ligar duas vezes por ano. Do outro lado, a voz da mãe que fora perdendo o sotaque onde se arrastava o chiar da carrinha que a passara a salto. Tens roupa quente? Que lhe tinham dito que o Inverno na América ainda era pior que o da França. A encosta de flores brancas a crescer no calor das palavras da mãe. Que estava bem, que havia outro português a fazer o doutoramento, e lá em baixo o mar a molhar de leve o riso de alívio da mãe, ainda bem filho, que assim não estás tão sozinho. Vens cá pelo Verão? Ele a dizer que sim por detrás do som do sino da igreja, que a tua irmã vai baptizar o menino, quer que tu sejas o padrinho, e ele quase a tocar no branco das copas para além da casa de azulejos dos pais. Fica com os anjos, que eles te acompanhem, a avó a chorar na estação de comboio, as malas espalhadas no cais, que podiam ser as dele alinhadas no aeroporto, mas sempre as mesmas lágrimas a pingarem o amargo da amêndoa, fica com os anjos, filho, fica com os anjos, que a gente cá te espera no Verão.
Texto publicado na edição de Maio da Revista InComunidade
Bolo de Amêndoa da Nigella
250 g de manteiga
250g de massapão
150g de açúcar
150 de farinha com fermento
1 colher de chá de essência de amendoa
6 ovos
Coloque num robot de cozinha a manteiga juntamente com o massapão até ficar numa pasta. Junte o açucar e misuture. Depois junte a essência e os ovos um a um, pulsando sempre. Misture a farinha e deite numa forma forrrada com papel vegetal e leve a forno pré-aquecido a 160º durante 40 a 50 minutos
Receita : Easy almond cake, de Nigella Lawson
quarta-feira, maio 15
Eduardo
Há amores que nunca conhecem o nome, feitos de corpos
anónimos e de noites sem data. O dela
não tinha rosto, apenas um nome na capa de um livro de poemas. Seguia os versos com a ponta dos dedos,
contornando as linhas de um sorriso que não conhecia. Soletrava-lhe o nome na
esperança de lhe construir um vulto com as silabas. Um dia ele veio à livraria
da cidade. Para dar autógrafos. Ela ficou à porta, e mandou, por uma vizinha, o livro por assinar e um
cesto de morangos. Quando ele olhou pela montra, ainda lhe viu o rasto dos
gestos antes de atravessar a rua e disse, descobri hoje que o amor cheira a morangos.
Tarte de chocolate e morangos
200g de bolacha maria
100g de manteiga derretida
200g de chocolate em barra
50 g de manteiga
150g de açúcar
5 ovos
5 folhas de gelatina
350g de morangos
Demolhe as folhas de gelatina num pouco de água fria. Pique
a bolacha maria com manteiga derretida num robot de cozinha. Deite a mistura
numa forma de aro e calque bem. Derreta o chocolate com a manteiga em banho
maria. Junte as folhas de gelatina ao chocolate ainda quente e misture bem.
Bata as gemas com o açúcar até obter um creme bem fofo e junte a mistura de
chocolate. Bata as claras em castelo e envolva no preparado anterior. Deite
sobre a bolacha e leve ao frio durante pelo menos 3 horas. Retire e decore com
morangos ( poderá pincelá-los num fim com um pouco geleia)
sábado, maio 11
Deus não gosta de broas
Naquela sala sentavam-se todos ao redor de uma mesa, primeiro três, que o quarto, por só saber servir, teimava sempre em ficar de pé. Naquela sala, que outros também chamavam cozinha, os quatro falavam naquele silêncio de todos os dias, que o que se repete muitas vezes acaba por perder o som. Dizem. Naquela sala, o que servia levantava-se de madrugada para amassar as broas que deixava na igreja todos os primeiros Domingos. Deus não gosta de broas, dizia com indiferença a mais delicada, a que sempre fora diferente por fora, só por fora da pele de porcelana e dos olhos azuis que eram mais negros que o castanho dos outros. Depois, pedia o açúcar, que era amarelo e não em cubos brancos como os que imaginava existir nos palácios. Uma outra, que se chamava Rosa, estendia-lhe o açucareiro, como se soubesses dos gostos de Deus, respondia-lhe. E antes de se embrulhar no xaile verde, dizia, tenho de ir, volto para jantar. Onde vais, perguntava-lhe ele, enquanto vertia o azeite da almotolia. Ao lugar de sempre, respondia-lhe ela, de olhos baixos, que ninguém sabia qual era o lugar de sempre e todos haviam desistido de perguntar, a ela, que nascera com o dom bizarro de ouvir as vozes dos outros antes que fossem faladas. Ele encolhia os ombros, deixo-te a mesa posta. Ela sorria-lhe, a mim chega-me uma broa das tuas, enquanto abria a janela. E quando o lá fora entrava na sala com as cores da manhã, a última, de quem ninguém conhecia a cor dos olhos, dizia, enquanto mergulhava o pão na malga de leite, aquece-me o rosto, este amarelo das primeiras horas do dia, ainda mais do que o cheiro morno do café. Sorriam-lhe todos, ou pensava ela que lhe sorriam, ou talvez apenas lembrassem alguma coisa que ficara lá fora.
Texto integrante da Exposição: Bolota 1/4 adiante
terça-feira, maio 7
Ausência
Há dias em que as palavras se esvaziam de rostos e estes de
estórias. Limpo a humidade das palavras baças e resignando-me perante o mofo
branco das páginas digo: é apenas cansaço.
Torta de laranja
(receita porque sim)
3 ovos inteiros
5 gemas
200g de açúcar
50g de farinha maisena
Raspa de 2 laranjas
100ml de sumo de laranja
1 colher de sopa de manteiga
Bata os ovos inteiros e gemas com o açúcar. Dilua a farinha
num pouco de sumo de laranja e adicione juntamente com o sumo restante e a
raspa à mistura de gemas. Junte a manteiga derretida. Forre um tabuleiro com
papel vegetal e unte-o com manteiga , deite a mistura e leve a forno
pré-aquecido a 160º durante cerca de 20 minutos. Sobre uma mesa, polvilhe uma folha de papel
vegetal com açúcar. Desenforme a torta sobre o papel polvilhado com açucar e enrole.
terça-feira, abril 23
33 rotações
Gostava de construir uma estória das minhas à volta de ti.
Uma daquelas estórias onde os diálogos são fáceis, as palavras ditas, sempre
ditas e nunca reféns do silêncio. Esse silêncio que toma como certo um tempo
que nunca se sustêm naquele ponto, naquele momento que nunca retorna. Chamam-lhe
presente, mas para os reféns do silêncio, como eu, será sempre passado, pretérito, ou
simplesmente o que nunca foi. Gostava de
construir uma estória das minhas com os retalhos das memórias que ficaram espalhadas
em cima de um mesa qualquer, a perderem a cor, que não devemos deixar as
fotografias à luz nem lhes pôr os dedos em cima. Gostava de te dizer que o teu
rádio já funciona, os teus discos já tocam de novo, que a minha vida segue
agora outro caminho, e que fiz hoje aqueles doces que tanto gostavas, bons para
acompanhar o café
(não ouves o chiar da cafeteira italiana?). Depois
sentavas-te nessa cadeira imaginária que a saudade traz sempre com ela e eu
dir-te-ia que os diálogos não têm de começar sempre com um parágrafo e
travessão.
Brisas do Lis
8 gemas
2 ovos inteiros
250 g de açúcar
100 ml de água
100g de amêndoa
1 colher de sopa de manteiga derretida
Leve o açúcar e a água num tachinho ao lume até fazer ponto de pérola. Retire e deixe arrefecer. Misture os ovos, as gemas e amêndoa. Junte a calda e a manteiga. Unte forminhas de queque ( pequenas) com manteiga e polvilhe-as com açucar. Encha-as até 2/3 e leve a forno pré-aquecido a 200ºg durante cerca de 15-20minutos, num tabuleiro com água quente ( esta não deverá passar metade da altura das formas)
Deixe arrefecer e desenforme.
quarta-feira, abril 17
Pensamento que podia ser um monólogo no Café.
Temo-nos em grande importância. Talvez para nos esquecermos que
somos todos demasiado iguais: somos todos o homem que sai nas Picoas e que
pensa, amanhã mudo de vida. Somos a mulher que apaga nas fotografias digitais o pavor do tempo.
Somos o velho que ainda tem medo de morrer ou a criança a quem disseram que a
relva não se pinta de azul, porque azul é o mar. Peço um café, como tantos
outros pedem neste preciso momento. Curto, sem açúcar. E penso, enquanto bebo o meu café numa chávena
igual à dos outros, maldita surdez esta que nos faz ter em grande importância.
Torta Tiramissu
4 ovos
4 colheres de sopa de açúcar
4 colheres sopa de farinha
1 café expresso bem forte
½ receita de creme de tiramissu
Cacau para polvilhar
100 000
E já são mais de 100000 as visitas desde que a Confeitaria abriu as portas. Obrigada, por este número redondo. Obrigada por terminarem as estórias com as vossas leituras. Só assim ficam completas.
quarta-feira, abril 10
36 e meio
Todas a sextas de manhã era o mesmo. O corpo doía-lhe da pancada
que ele lhe dava. Da pancada no corpo e da outra que ainda ia mais fundo,
nódoas mais negras por ser invisíveis. Mal havia luz do dia, ela levantava-se
devagarinho e sem gemer. Para não o acordar. Para não o ver chorar e
prometer-lhe que não voltava a acontecer. Lavava-se, vestia-se e corria para a
sapataria que ficava em frente à repartição de finanças onde trabalhava. E lá
estavam eles. Vermelhos, sem preço. Que as coisas que nos descansam os
olhos não têm preço, dizia ela. E onde ias tu com uns sapatos daqueles, mulher?
Perguntava-lhe a colega de cabelo oleoso, que se enchia de bolo de
chocolate trazido de casa em caixas de plástico. Até ao fim do mundo,
respondia. Até que numa sexta feira, daquelas sem movimento, uma mulher que já
fora bonita pediu-lhe baixinho a guia para pagar o selo do carro.
Ela levantou os olhos do teclado do balcão e viu-lhe o rosto negro e amassado,
que se tentava dissolver na madeira do
balcão. Fez um sinal à colega de cabelo oleoso. Um sinal com a mão, porque o nó
da garganta não a deixou falar. Para que ficasse no lugar dela um bocadinho.
Penhorou a aliança e correu até à sapataria. Ficam-lhe um bocadinho largos, mas
não fazemos meios números, disse-lhe o empregado. Pediu uma palmilha de
cortiça. Assim assentam-me como uma luva. Dizem, quem ainda a viu a dobrar a
esquina, que apanhou o comboio das dez e um quarto.
Bolo de chocolate e avelã
200g de chocolate em barra
100 g miolo de avelã moído
150 g de manteiga
150 g de açúcar
200g de “nutella”
6 ovos
4 colheres de sopa de açúcar
2 colheres de sopa de licor de avelã
Pitada de sal
Derreta o chocolate em banho maria. Bata a manteiga com o açúcar.
Junte-lhe a pasta de nutella ( convém estar à temperatura ambiente). Junte as
gemas uma a uma batendo muito bem. Junte o chocolate derretido, o licor de avelã, o miolo de avelã e o
sal. Bata as claras em castelo e junte-lhes as colheres de sopa de açúcar para
obter um merengue. Leve numa forma redonda. forrada a papel vegetal a forno
pré-aquecido a 150º durante cerca de uma hora.
Receita adaptada daqui
Receita adaptada daqui
quarta-feira, abril 3
Quente
Quando ele lhe perguntou de que é se arrependia de não ter
feito, ela respondeu-lhe: de nunca ter
ido a Praga na Primavera e de nunca se ter sentado num café na Rive Gouche.
Dizem que se comem lá umas tartes maravilhosas.
Aux framboises, disse com um
sorriso snob. Mas não é isso o mais importante na Rive Gouche, respondeu ele
enquanto ordenava os livros de filosofia por ordem alfabética. Ela
suspirou enquanto ajeitava a madeixa de
cabelos brancos que lhe teimava em cair para
rosto, engraçado que nunca me lembro da Primavera de Lisboa, só do
Verão.
Tartes de framboesa merengadas
350g de framboesas congeladas
100g de açúcar
Sumo de 1 limão + 1 colher de sopa de água
1 colher de sopa de amido de milho
4 claras em castelo
10 colheres de sopa de açúcar
1 colher de chá cremor tártaro
Leve as framboesas, com açúcar num tachinho ao lume. Depois
de levantar fervura deixe ferver em lume brando durante 5 minutos. Dissolva o
amido de milho no sumo de limão e na água. Adicione às framboesas e deixe
engrossar. Deixe arrefecer por completo.
Bata as claras em castelo com açúcar até obter um merengue
bem espesso. Junte o cremor tártaro e bata mais um pouco.
Forre pequenas tarteiras com a massa quebrada, pique-as com
o garfo e pincele-as com gema de ovo. Leve ao forno ( pré- aquecido a 180º) até dourarem um pouco.
Retire-as, deixe arrefecer e depois recheie-as com o doce de framboesa e
cubra-as com merengue. Leve as tartes de novo ao forno ( aquecido a 130º) até o
merengue ficar estaladiço.
quinta-feira, março 28
51
No preciso momento em que as sombras se começam a encurtar pelo passar da manhã, o autocarro parte e a rua esvazia-se . Ficam apenas o homem do quiosque que arruma os jornais e os velhos do café que esperam a hora do almoço e outras horas de solidão. Há também um homem sentado na berma do passeio, que canta uma lengalenga sem sentido. O homem do quiosque manda-o calar. Chama-o pelo nome. O homem levanta-se e resmunga. Vai para casa, Gregório, repete, mas sabe que ele não tem casa. Só uma caixa de cartão com umas mantas que estende ao lado da serralharia. Uma mulher e uma criança aproximam-se da paragem. Ele segue-as. A mulher faz de conta que não vê. Vai para casa, Gregório. Ele encolhe os ombros e aproxima-se da mulher, cheiras bem. A mulher retrai-se com medo, o mesmo medo que tem do cães, enquanto a criança tira um resto de caramelo preso no céu da boca. Cheiras bem. A mulher olha para fim da rua. O autocarro que se aproxima parece-lhe longe. A criança desembrulha outro caramelo por detrás das pernas da mãe. Vai para casa, Gregório, diz o homem do quiosque. Irritado encolhe os ombros. Apanha uma beata do chão e mete-a na boca. O autocarro pára, cheiras bem, diz entre dentes. A rua esvazia-se de novo. O papel do caramelo esvoaça na calçada, enquanto Gregório finge que fuma.
(Deserto do mundo 2009)
Brownies com caramelo
5 ovos
225g de chocolate
125g de manteiga sem sal
150g de açucar
150g de farinha sem fermento
1 colher de chá de baunilha
1 colher de café de sal fino
para o caramelo:
1 chávena de açúcar
1/2 chávena de água
1 vagem de baunilha
500ml de natas
pitada de sal grosso
50g de manteiga sem sal
Derreta o chocolate com manteiga em banho maria e reserve. Bata os ovos inteiros com o açúcar e junte a mistura de chocolate. Junte a baunilha e o sal e no fim envolva a farinha.
Leve numa forma forrada com papel vegetal, ao forno pré-aquecido a 160º durante 20-25 minutos.
Leve as natas, a manteiga, o sal e as sementes de baunilha ao lume até levantar fervura. Apague o lume e deixe repousar. Leve o açúcar e água num tachinho até fazer um caramelo dourado, apague o lume e junte a mistura de natas. Leve de novo a lume brando durante 5 minutos. Deixe arrefecer por complecto e cubra os brownies com este caramelo.
sexta-feira, março 22
Maria Arminda
Saiu para sulfatar as primeiras flores do pomar. No próximo
Domingo não o quero ver com essa camisa preta, dissera-lhe a filha mais
velha com mesmo tom de voz com que
falava com os filhos. A Maria Júlia também vem? Não, a mais nova nunca vinha,
saíra de lá, no cedo dos mais novos, para a cidade. Mandava pela outra irmã uma
caixa de pasteis de nata e os móveis velhos desfeitos e pintados de outra cor.
É artista, dizia ele aos outros que perguntavam por ela. Descia o carreiro para
o pomar e quatro passos à frente dos dele as filhas, ainda pequenas, a correrem. Não o quero ver com essa camisa, ouviu? Atrás
dele, o silêncio da renda que a mulher nunca mais fizera, a crescer por entre o
cheiro do almoço. A mais nova a cair no carreiro. Não chores, não chorava, e os
mesmos olhos secos a fugirem do caixão aberto da mãe. Vista uma camisa branca, aquela dos Domingos.
Quantos Domingos tinha um ano de casa vazia? À volta do pomar, enquanto a
abotoava a camisa branca, viu os pasteis de nata na mesa e a cadeira vazia
pintada de um azul que destoava da madeira desbotada das outras cadeiras. A
filha mais velha ajeitou-lhe o colarinho, ora se não está melhor assim, e ele a
repetir baixinho o nome da mulher, Maria Arminda, Ma-ri-a-ar-min-da, o que diz,
está a rezar? Ele sorriu com os dentes
que já não tinha, pelo menos as letras dos nomes não mudam de cor.
Pastel de Nata desconstruído
1 l de leite
1 casca de limão
6 de gemas
150gr de açúcar
6 de gemas
150gr de açúcar
50gr de amido de milho
50gr de farinha
50gr de farinha
açucar em pó
canela
Aqueça o forno a 250º. Com o rolo, estenda a massa, pique-a levemente com um garfo e coloque-a entre duas placas de forno. Leve a cozer durante 15 minutos. Deixe arrefecer e corte-a em rectângulos iguais. Reserve.
Num tacho, ferva o leite com a casca de limão.
Deixe em infusão durante 10 minutos. Misture bem as gemas com o açúcar, a maisena e a farinha e adicione gradualmente o leite, sem parar de mexer. Deite de novo no tacho e leve ao lume até espessar. Cubra com película aderente para não secar e reserve.
Com o saco de pasteleiro, cubra 4 rectângulos de massa folhada com creme. Repita este processo até obter 3 camadas.
Polvilhe a superfície com o açúcar e queime com um maçarico. Polvilhe com canela e açucar em pó.
Receita de José Avillez retirada daqui
domingo, março 17
Da Poesia
Quis escrever um poema.
Mas o peso das palavras de mais de três silabas pingava-lhe antes
da tinta da caneta. Quis escrever um poema sem gostar sequer de ler poesia, mas
o Perdigão, que o pai dizia à laia de ladainha enquanto partia nozes com uma
mão contra a outra, parecia-lhe pastoso nas redondilhas. Quis escrever um poema
formidável, de versos alexandrinos,
cheio de metáforas para a posteridade , mas a caneta continuava presa no ar e
todos sabemos que esse não é o elemento das letras. Quis escrever um poema, com cheiro de
mansarda, de mostrengo, de poeta mais alto, de desertos do mundo que cabem
sempre na minha aldeia, mas derrotaram-se-lhe
as mãos no vazio da folha e disse, mil vezes os metais alcalinos, os gases nobres e halogéneos, que os átomos se conjugam sem rima nem métrica.
O Convidei para jantar…um poema, chega ao fim. E a
confeitaria guardou na sua mala, naquela mala onde ficam as memórias boas, um experiência
muito gratificante. Trinta e quatro poemas de ler e comer chegaram a estas vitrines. E eu, dona da Confeitaria vos digo: Bem hajam pelo poema que em uníssono construíram com cada um dos vossos convidados.
O pão de cereais trouuxe-nos dois convidados: Song of the Open Road de Walt Whitman e Cântico Negro de José Régio
O Bolo da tia Rosa trouxe-nos dois convidados : Saul Dias e Sophia de Mello Breyner Andresen
O Blogue Marmita convidou A porta do Coração de Carlos Conde
O Blogue Prazer a Cozinhar convidou Manuel Maria Barbosa du Bocage
O Blogue Prazer a Cozinhar convidou Manuel Maria Barbosa du Bocage
terça-feira, março 12
Limoeiro
Nesses dias o que lhe restava era recordação do limoeiro no
jardim. A ele, que nunca saíra da cidade e só distinguia os pombos e
pardais dos restantes pássaros. Nesses
dias, em que a cor de chumbo do tempo, do que passava nos relógios também,
descia aos últimos andares dos prédios, restava-lhe essa recordação, que nunca
fora sua mas sim da sua mãe, de um limoeiro ao fundo de um quintal. A mãe
sentava-se no banco de cozinha, onde passajava as meias e lhe falava do cheiro
dos limões, dos alforges do burro, do sino da igreja, das pessoas cujos nomes eram
as suas histórias. Histórias que terminavam quando guardava o ovo de madeira
dentro do cesto. Depois escrevia-lhe num pedaço de papel a meia dúzia de coisas
que teria de trazer da mercearia. Ela que se esquecera com o tempo quando usar
os esses ou a cedilha. Se chovesse,
enquanto vestia o casaco de fazenda voltada, pedia, fala-me do baloiço no limoeiro, a mãe
sorria, e as palavras delas soavam a gravilha debaixo dos pés, e ao fundo do
caminho, daquele caminho que fica por detrás dos olhos ele recordava o
limoeiro, enquanto a chuva da cidade pingava pelas pontas de metal do
guarda-chuva.
Bolo de limão
Para o bolo
250g de açúcar
5 ovos
250g de farinha
1 colher de chá de fermento
125g de manteiga derretida
Raspa e sumo de 2 limões
1 chávena de lemon curd
Para a calda
100ml de sumo de limão
100 ml de água
175g de açúcar
Para a glace
4 colheres de sopa de açúcar em pó
2-3 colheres de sopa de limoncello
Pré-aqueça o forno a 180º. Bata os ovos inteiros com o
açúcar. Junte o sumo e a raspa. Deite a manteiga derretida e bata bem. Envolva
no fim, a farinha, com o fermento. Leve ao forno numa forma untada com manteiga
e polvilhada com farinha, durante cerca de 30 minutos ( ou até que, espetando
um palito no bolo, este saia limpo). Retire o bolo do forno e deixe arrefecer.
Leve o sumo de limão, a água e o açúcar ao lume e deixe ferver
em lume brando por 10 minutos.
Corte o bolo ao meio e verta a calda sobre as duas metades.
Recheie com o lemon curd.
Misture o açúcar em pó com o limocello cubra o topo do bolo
com este glace.
quarta-feira, março 6
Da Caligrafia.
Mesmo quando passou a entregar o correio de mota, continuou
a levar-lhe os postais de bicicleta. Um por mês. Nos meses de chuva, dois, que a
chuva recorda-nos as saudades dos
outros. Empurrava a cancela de madeira
que nunca tivera fecho, o velho vinha à janela, entra que tenho o café ao lume.
Sentavam-se na mesa da cozinha. O velho punha os óculos descaídos no nariz e
lia em voz alta as doze, que por vezes
eram sete, linhas de letra miúda, escritas por detrás de gravuras avulsas. Depois deixava os óculos em cima do tampo da mesa e enquanto lhe servia o café, dizia, diz qualquer dia volta, que sente a minha falta. O carteiro sorria enquanto
aquecia as mãos na caneca de café
quente. Diz que não te esquece. Eu também não esqueço os olhos cor de caramelo
dela, disse o carteiro naquele dia de chuvas de Março. Não eram cor de
caramelo, disse o velho. Eram daquele
castanho igual a toda a gente. E a letra dela tinha o redondo de quem nunca escreve.
Pôs-lhe a mão no ombro. Ainda não a
consegues fazer igual.
Panna cota de caramelo
(para 6)
500ml de natas
250 ml de leite
1 vagem de baunilha
1 colher de flor de sal
250g de açucar
125 ml de água
5 folhas de gelatina
Demolhe as folhas de gelatina em água fria. Leve as natas, o
leite , as sementes da vagem de baunilha, e a flor de sal num tachinho ao lume
até levantar fervura. Retire do lume.
Leve o açúcar e a água ao lume até fazer um caramelo
dourado. Retire do lume. Junte cuidadosamente a mistura de leite e natas e
misture bem. Adicione as folhas de
gelatina e leve em tacinhas, ou copos ao frigorifico durante umas horas.
Receita adaptada de masterchef australia
sexta-feira, março 1
Bolerish
Que música é essa, perguntou-lhe ela, faz-me lembrar Satie. Não conheço, mas parece-me mais Ravel, disse ele e abriu a janela para
entrar a manhã. A luz empalidecida pelo
cedo das horas , azulou as sombras que
se espreguiçavam no soalho. Para te aqueceres, disse-lhe enquanto ela se
enrolava sobre si com frio. Faz-me
lembrar Satie, repetiu ela. Não conheço,
repetiu ele enquanto acendia um cigarro debruçado na varanda. Ela suspirou
contrariada. A primeira vez que nos vimos foi num concerto de Satie, então se
insistes que não conheces, então provavelmente nunca nos teremos visto. Ele pôs
a mão do cigarro em concha sobre a testa e franziu os olhos para se habituar à
sombra antes dela. Isso não passa de um silogismo de algibeira.
Crepes de chocolate com doce de ovos e framboesas
(receita porque sim)
30g de manteiga
50 g de chocolate em barra
250 ml de leite
2 ovos
2 colheres de sopa de açúcar
150g de farinha
Framboesas
Leve o leite, a manteiga e o chocolate ao lume até derreter
por completo o chocolate. Bata os ovos
com o açúcar e junte a mistura de chocolate. Peneire a farinha e envolva bem.
Deixe repousar uns 20 minutos.
Deite colheradas numa frigideira de forma a cobrir o fundo
com uma camada fina de massa. Deixe cozinhar
até se soltarem dos lados. Volte o crepe e deixe cozinhar mais um pouco.
Sirva-os cobertos com um pouco de doce de ovos e framboesas
abundantes.
Receita de crepes de chocolate adaptada de Laura Calder.
Receita de crepes de chocolate adaptada de Laura Calder.
terça-feira, fevereiro 26
O Dono da Tabacaria - (Tabacaria III)
Abre a caixa de
música, pintada com flores de pessegueiro por fora e forrada a veludo vermelho.
Dá-lhe corda. Dez voltas. E a boneca de madeira gira ao som da música de um só
tom. Debussy. Volta a placa pendurada na porta. Aberto. Atrás dele o cheiro da
tinta dos jornais, e o corpo dela que um dia talvez tenha dançado numa sala de
um segundo andar qualquer numa rua sem nome. Um estalido por cada volta da
boneca na caixa. Sente-lhe o vestido castanho rasgando um espaço que se dobra
sempre que ele abre aquela caixa de música. Bom dia. É o professor de música,
de rosto esquálido e olhos mortiços. Fuma cachimbo e irá morrer de desgosto de
amor, pensa. Outro estalido. Outro círculo. Fecha-lhe a carteira de tabaco.
Cheira a cânfora e a memória (Será uma memória?), volta. O tempo, o real e o
que corre atrás dos olhos, é circular. Definido por algum axioma que o
engenheiro da mansarda poderá explicar. Bom dia. É a pequena dos chocolates,
que será sempre pequena, mesmo quando tiver cabelos brancos. Leva-os, os
chocolates, aos pares e fica ali, olhando para a mansarda, procurando os
porquês que não encontra na sua rua tão igual a tantas outras. A boneca parou,
com o seu braço descascado de tinta, imóvel no espaço de todos os dias. Dez
voltas. Boa tarde (Já?). Não conhece o rosto. Leva cigarrilhas das caras. O
Dono da Tabacaria não espreita o carro que arranca. É um homem rico. Deita um
pouco de licor num copo que guarda por debaixo do balcão, que lhe
desce viscoso e quente para dentro da memória. Talvez ela tivesse olhos azuis e
dedos longos. Outro estalido. Olá Esteves, é o jornal? Vive atormentado com a
morte dos outros, o Esteves. Sai à porta e sorri para o engenheiro da mansarda.
O dia termina. Fecha a caixa de música e perde as memórias. Nada persiste. Só a
certeza de que ao sétimo dia não descansará.
Cristina
Nobre Soares
(Março 2012)
Trufas de chocolate, Vinho do Porto e Praliné de Amêndoa
200g de chocolate em tablete
100ml de natas
2 colheres de sopa de vinho do porto
para o praliné
200g de açúcar
75ml de água
100 g de amêndoa pelada
Derreta o chocolate em banho maria, juntamente com as natas. Retire do lume e junte o vinho porto. Leve ao frigorifico durante umas horas para endurecer.
Leve o açúcar e a água ao lume até fazer ponto de caramelo ( não muito escuro). Junte as amêndoas e deite sobre papel vegetal. Deixe arrefecer completamente e pique.
Tenda bolinhas com a massa de chocolate e envolva-as no praliné.
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