Evitava sorrir por causa dos dentes. Encavalitados uns nos outros, cada um do seu tamanho. Sempre que soltava uma das suas gargalhadinhas tímidas colocava a mão à frente da boca, ao mesmo tempo que baixava os olhos, como que a pedir desculpa. Evitava sorrir por causa dos dentes, mesmo quando via o primo, quem amava desde a infância. O primo, dono de uma gargalhada grave de quem já tinha visto o mundo, afagava-lhe o rosto corado e chamava-a minha linda. Ela com uma das mãos escondendo os dentes disformes, apontava-lhe o prato azul com o bolo de chocolate que ele tanto gostava. Sobrou esse da encomenda, dizia. Ainda te falta muito, perguntava o primo. Ela corava de novo. Um pouco, respondia. Para que o dinheiro que juntava da venda dos bolos lhe pudesse pagar uns dentes novos. E imaginava-se, sorrindo para um primo enlevado, com uns dentes certos e brancos. Tão brancos quanto o vestido com que se imaginava. Mas nunca chegou a ter os seus dentes novos. Não se soube se fora por os bolos terem rendido pouco, ou se por o primo ter casado com uma rapariga de sorriso rasgado. Já tinha setenta anos quando, à cabeceira do primo que morria com uma doença de fígado, ele lhe pediu um beijo. Ela ainda levantou a mão para tapar a boca, mas deixou-a no rosto amarelado dele enquanto o beijava. Ele sorriu e sussurrou-lhe ao ouvido. Sabes a chocolate, Marilia.
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segunda-feira, setembro 5
Dos sorrisos
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