quarta-feira, agosto 29

Candeeiros



Era filho da sétima de seis irmãos. Na aldeia da serra diziam-na bruxa. Talvez pelos olhos cor de neblina. Talvez pelos filhos que desfizera depois da segunda filha ter nascido. Talvez por não lhes conhecerem os pais.  Bruxa, a tua mãe é bruxa. O vento da serra  passava por entre os cabelos ralos da mãe e tingiam-nos com cheiro a limão e tomilho. Ele seguia-lhe os passos calçados de alpercatas,  pelo trilho das cabras, puxando a burra que à volta traria os alforges cheios de gravetos para o lume. Era longo o caminho até à Fórnea.  Bruxa, a tua mãe é bruxa. A irmã a cobrir o rosto que chorava e ele a bulhar com os outros. A irmã a chorar fininho no canto da sala que também era o quarto e o resto da casa, que talvez até nem tivesse cantos e que ninguém sabia quem construíra, e a mãe a limpar-lhe o lábio rasgado. Bruxa, a tua mãe é bruxa e a irmã a passar a fronteira a salto na carrinha de caixa aberta que levava as azeitonas curtidas. A tua mãe é a bruxa da Fórnea, matou-te os irmãos e deitou-os num algar. Bruxa, a nossa mãe era bruxa,  murmurou a irmã com sotaque francês sobre a campa da mãe.  Feita de pedras da serra e ressentimento da aldeia. Soprava o mesmo vento coado pelo cabelo ralo. As pedras cheiram a limão, disse ele. A irmã limpou o batom seco dos cantos da boca. Não me cheira a nada, disse ela entornando um sotaque sem memória. Pareceu-lhe a ele que a burra dobrava a curva do caminho da Fórnea. Faz-lhe falta uma  santinha, disse a irmã enquanto ajeitava as flores, amanhã trago-lhe uma imagem da nossa senhora de Fátima.


SOUFFLÉ DE LIMÃO




Ingredientes ( 4 soufflés)

150 g de Curd de limão
4 Ovos
50 g de Açúcar
2 colheres de sopa de Farinha

Manteiga derretida e Açúcar

Separe as gemas e as claras. Bata as claras em castelo e no fim junte o açúcar até obter um merengue firme.Envolva o curd de limão com as gemas e a farinha. Envolva cuidadosamente o merengue. Unte as formas com a manteiga derretida e polvilhe com açúcar.
Coloque a mistura dentro das formas e leve ao forno a 180ºC durante 12 minutos. Servir quando sair do forno com uma bola de sorbet de framboesa.

Receita do Chef Nuno Barros para o hotel  Cooking and Nature

sábado, agosto 25

Das horas



O Verão termina por detrás do cheiro quente das herbáceas. Havia um baloiço na figueira. A árvore de Judas, diriam as mulheres envelhecidas pelo preto e pelo medo. Havia amoras e framboesas que tingiam a bainha da  tua saia. Aceleras o passo na calçada de hoje. E o vento de sul toca-te na pele ao quinto toque do sino da igreja. A tarde avança no calor pastoso de Agosto.  A luz do fim de tarde encerada nos tachos de cobre. Abres as mãos e os dedos tocam nas espigas que te roçam os  joelhos. Estugas o passo e rasgas os olhos na cidade. O sumo das framboesas adoça-te a boca  e embalas o tempo no baloiço da figueira. A tua tia, a que nunca pariu, sai de xaile preto para ajudar a parir os filhos das outras. Olhas o relógio e corres na calçada. A tua avó sentada na soleira da porta a fazer bonecas com as saias do milho. Os braços negros das mulheres que se benzem quando passam pela figueira. Entras no autocarro que arranca ao fundo da rua da cidade, estás afogueada quando saltas do baloiço, agora também. Era macho, diz a tia que regressa dentro do xaile. Do outro lado do vidro do autocarro sopra a cidade. Limpas a boca que sabe as framboesas e respiras o cheiro quente da erva  ainda antes do sétimo toque do sino.

Framboesas geladas com Zabaione de Porto


( para 3)
300g de framboesas congeladas
3 gemas
3 colheres de sopa de açúcar
3 colheres de sopa de vinho do Porto

Deixe descongelar ligeiramente as framboesas. Leve uma tigela a banho maria com as gemas, o açucar e o vinho do porto e vá batendo sempre com vara de arames até obter uma creme espumoso e volumoso. Deite o creme ainda quente por cima das framboesas


terça-feira, agosto 21

Technicolor

Toca um bocadinho para o teu padrinho  ouvir. Todos os domingos o mesmo pedido. Toca aquela do Charlot. Ele sentava-se penosamente no banco forrado a veludo verde. Abria a tampa do piano e colocava a pauta  no suporte. Suspirava. Os dedos pesados nas tecla, o  ritmo, esse corria-lhe nos olhos que teimavam em fugir para a janela do jardim. Ele tem ido às aulas de piano? Perguntava o padrinho. A mãe dizia que sim. Com o mesmo jeito no queixo com que mentia sobre a idade dele no combioio. Ainda tem seis. E o revisor rolava os olhos desconfiados pela sua altura de oito anos. Sim, vai todas as quintas-feiras. O padrinho estendia o cálice que a mãe enchia com o licor de limão bem gelado. Faz bem, tem de praticar.  Por detrás dos acordes desafinados ele via o filme da matiné de domingo. Ó mãe, eu não gosto de tocar piano. Eu gosto é de cinema. A mãe puxava-lhe as meias da farda até ao joelho. O padrinho faz gosto nisso. Por isso te deu o piano. Um acorde fora de tom. Tens de praticar mais, menino. E tens de tocar outras. É a musica do Luzes da Ribalta, pensava enquanto o pé lhe resvalava do pedal. Toda a gente que gosta de cinema já viu o filme, pensava. Que passava hoje de novo nos bombeiros.  Ó mãe eu gosto é de cinema. Quando crescer quero  ser realizador. E colocava os dedos em quadrado. O padrinho faz gosto no piano. E ele nem gosta de filmes. Deixa-te dessas ideias. O último acorde. Desafinado. O padrinho acenava em aprovação. A mãe sorria de alivio. E parecia-lhe que a sala escurecia. O sofá com mãe e o padrinho ficava a preto e branco. Tenho de lhe comprar um metrómeno. Dizia  enquanto acendia outro charuto. Lá fora, o mundo corria a cores.

Deserto do Mundo, Abril de 2010




Trifle de Limoncello



500 g de queijo mascarpone
1 chávena de lemon curd
1 vagem de baunilha
100 ml de Limoncello
2 claras de ovo
100 g de açucar
250g de biscoitos de amêndoa


Bata o queijo mascarpone com as sementes da vagem de baunilha e o limocello. Bata as claras em castelo e junte o açucar. Bata durante 2 minutos. Junte ao creme de mascarpone. Triture os biscoitos. Numa taça deite no fundo o creme de mascarpone, depois umas colheradas de lemon curd e por cima os biscoitos triturados. Faça camadas sucessivas, terminandp com mascarpone.


quarta-feira, agosto 15

Café Central


O homem leva a chávena à boca no momento em que o autocarro pára do outro lado do vidro. Saem pessoas enquanto faz um trejeito com o canto da boca. Está amargo. Repara no som rouco da sineta da porta enquanto deita mais açúcar. O caminho até à porta faz-se sobre azulejos castanhos (ou serão amarelos?) desgastados nos cantos. E há sons de saltos altos, pouco usados que se fazem a partir da porta. A mulher dos saltos altos repara no casaco de tweed que tem vestido. Tem a gola coçada por demasiado tempo de desleixo. O autocarro arranca no princípio da pergunta dela. Ele levanta os olhos a tempo de compreender o fim. E ela senta-se no lugar vago no extremo da mesa, ainda que esta seja redonda. Pede uma água com gás e os olhos arrastam-se na mala de carneira encostada à cadeira dele. O cheiro a açúcar queimado, que alguns chamam caramelo, abafa o som surdo das conversas. Ele comenta. Fazem um bom pudim, aqui. Ela ignora. Não posso comer açúcar por causa dos diabetes. O empregado deita a água no copo. Mas a minha mãe fazia um bom pudim de ovos. Ela, no incómodo de quem não sabe o que dizer, procura outro lugar vago. Ela não o olha apertando o nó do silêncio. Ele alarga a gravata. A mala de carneira cai, espalhando papéis no chão. Ela baixa-se para os apanhar e os dedos crispam-se. Ele justifica-se guardando o catálogo dos caixões. Nunca se sabe quando nos chamam. Faz sinal ao empregado e pede um pudim. Encolhe os ombros, que se lixem os diabetes. Quem vive da morte não tem horas. E nesse momento pára outro autocarro do outro lado do vidro.

Pudins  de ovos e vinho do porto


8 gemas + 2 ovos inteiros
350g de açúcar
2dl de água
50 ml de vinho do porto

Leve o açúcar e água ao lume, num tachinho até fazer ponto de fio. Junte as gemas e os ovos inteiros desfeitos e depois o vinho do porto.  Deite em ramequins barrados com caramelo e leve a forno pré-aquecido a 180º num tabuleiro com água. Deixe cozinhar por cerca de 30 minutos.
Pode polvilhar com praliné de amêndoa.