sexta-feira, novembro 30

Cem


Na véspera de fazer  cem anos pensou que só se arrependera de não ter feito duas coisas na vida: aprender a conduzir e falar francês. Durante décadas fora conduzida no carro azul do marido. De mãos plácidas sobre o colo e olhos fixos na imagem de S. Cristovão, pendurada no retrovisor. Benzia-se sempre antes do carro arrancar, mesmo que fosse só para ir até ao mercado.  Ou até à pastelaria onde iam aos sábados à tarde comer bolos e fingir que conversavam com os outros. As outras senhoras, que também não sabiam conduzir, pediam a especialidade da casa, profiteroles. Ela, como tropeçava nos “rs” arranhados, pedia sempre uma torrada. Na véspera de fazer cem anos, só se arrependeu disso.  Não se arrependeu de não ter tido outro homem que não o marido, nem de nunca ter viajado para além da Figueira da Foz, onde passavam o verões. Não se arrependeu de nunca ter votado ou de ter casado. Afinal, quem teria cuidado dela se não fossem o falecido marido e os filhos? Dos filhos talvez só tivesse tido um em vez de dois, que as dores de parto tinham custado muito. Na véspera de fazer cem anos  pediu que não lhe fizessem festa. Custava-lhe estar com pessoas de quem não se lembrava do nome. E as que se lembrava já tinham morrido.  Mas fizeram.  E pediu como prenda de anos um daqueles bolos que eram uma torre de profiteroles. E um livro do Albert Camus. A rapariga de cabelo curto, que insistia em ser sua neta, riu, que disparate, a avó nunca lê. Mas era um nome tão lindo, Camus, soprava-se na boca como um poema, e ela achou que ficava bonito na mesa de cabeceira. No dia em que fez cem anos compraram-lhe um bolo cheio de rosas de açúcar e mais um colar de pérolas de Palma de Maiorca.



Hoje, a confeitaria publica a sua 100ª  estória de ler e a sua 100ª estória de comer. Obrigada a todos que aqui vêm.



Profiteroles de chocolate com ganache de chocolate e laranja


Para os profiteroles:
200 ml de água
1 colher de chá de sal
20 g de açucar
60 g de manteiga sem sal
110g de farinha sem fermento
5 ovos médios
20 g de cacau

Para a ganache
200ml de natas
200g de chocolate de leite
2 colheres de chá de licor de laranja
Raspa de uma laranja

Pré-aqueça o forno a 180º. Leve a água, o sal, o açúcar e manteiga num tachinho ao lume até ferver e derreter a manteiga. Deite a farinha, misturada com o cacau de uma só vez e mexa energicamente até se soltar das paredes do tacho. Retire do lume e adicione os ovos batendo muito bem.
Deite a massa num saco de pasteleiro e fala pequenos montinhos num tabuleiro forrado com papel vegetal . Leve ao forno por 30 minutos.
Derreta o chocolate com as natas em banho maria, até obter um creme homogéneo.  Junte o licor e a raspa de laranja. Leve ao frio durante pelo menos 2 horas. Bata com batadeira até duplicar de volume. Recheie os profiteroles com este creme

Adaptado de Saveurs, nº 195 pag 39.


terça-feira, novembro 27

Do tempo das romãs


Ao fundo dos prédios havia um moinho de água e uma romãzeira.  Ficavam os dois para além do alcatrão das ruas, num baldio que fora um dia um quintal de roseiras. Ao fundo dos prédios havia o som do amola-tesouras e uma romãzeira. Havia manhãs que arrastavam o solstício de inverno  por entre as árvores despidas e as mulheres do mercado. Havia braçadas de azevinho e gilbardeira que cheiravam a canela de Dezembro.  Ao fundo dos prédios havia uma velha romãzeira, cujos frutos caídos tingiam um quintal que se forrara pelo tempo das daninhas. Havia uma infância entre dois tempos que esbatiam num único verbo. A harmónica do amola-tesouras passava na calçada, vem aí chuva, e ao fundo dos prédios caía mais uma romã.


Panquecas de canela e laranja com molho de romã


( 12 panquecas pequenas)

1 chávena de farinha
2 colheres de sopa de açúcar
2 colheres de sopa de manteiga sem sal , derretida
2 ovos
¾ chávena de leite
Sumo e raspa de 1 laranja
1 colher de chá de canela
2 colheres de chá de fermento em pó
Pitada de sal fino
1 chávena de sumo de romã
¾ de chávena de açucar

Leve o sumo de romã, com algumas grainhas  e açúcar ao lume e deixe ferver em lume brando durante 15 minutos. Depois, coe o molho e reserve.
Misture a farinha, o fermento, o açúcar ,a canela, a raspa de laranja e o sal. Noutro recipiente bata os ovos, junte o leite, o sumo de laranja e a manteiga derretida. Misture os dois preparados. Aqueça uma frigideira anti-aderente e deite colheradas da massa. Quando a superfície da massa fizer bolhas, volte-as e deixe cozinhar mais uns minutos. Sirva as panquecas com o molho de romã.


segunda-feira, novembro 26

Ramdass



Depois do livro, o Pai Natal deixou de chegar vestido de vermelho. Deixou as barbas e as terras do Norte. E vinha, primeiro em forma de vulto, pelos telhados que os prédios do meu bairro não tinham. Depois, já perto da janela da mansarda que eu queria ter, esboçava um sorriso  branco, com a luz que só as pessoas do Sul conseguem ter. Depois do livro, o meu Pai Natal passou a chamar-se Ramdass, e cheirava ao oceano turquesa à beira do qual nasci. Já não importava que não nevasse,  porque era Natal de Monção. Trazia nas mãos palavras de dedos longos que plantavam estórias na minha cabeça. Ceava comigo, bebendo chá nas pequenas chávenas de porcelana das bonecas e tirava do saco, que nunca teve cor, janelas abertas para um mundo só meu. Depois do livro, o Natal celebrou-se no meu quarto sempre que eu me dava uma estória nova e aprendi a falar sem voz. Hoje é noite de cear estórias, Ramdass. E trinta anos depois do livro, ainda é Natal.

Estórias de ler e comer, do Encontro ao Serão no Bichinho do Conto, ontem.




Queques de Bolo Inglês



(para 36 queques)

200g de manteiga sem sal
200g de açucar amarelo
375g de farinha sem fermento
50g de Maizena
5 ovos
2 colheres de chá de fermento em pó
1 colher de chá de cremor tártaro
100ml de brandy
100g de sultanas
200g de cerejas em calda ou cristalisadas
200g de amêndoa laminada
150g de alperces secos
2 cravinhos
1 colher de café de sal
raspa e sumo de uma laranja
500g de de maçapão
Cerejas para decorar
Doce de alperce q.b.


Com 6 a 8 horas de antecedência, deixe as passas a ensopar no brandy. Cubra com película aderente. Pique as cerejas e os alperces. Aqueça o forno a 180º. Bata a manteiga com o açucar até obter um creme. Junte os ovos 1 a , batendo bem. Junte a raspa, o sumo da laranja  e cravinho previamente moido no almofariz e bata. Junte as passas e o brandy e depois as restantes frutas. Misture as farinhas, com o sal e o cremor tártaro e envolva cuidadosamente. Coloque caixinhas de papel em formas de queques e encha 2/3 de cada com a massa. Leve ao forno por cerca de 15 minutos.
Estenda o massapão até a ficar com menos de 0,5 cm de espessura e corte rodelas do tamanho dos queques. Depois de totalmente arrefecidos, pincele o topo de cada um com doce de alperce, coloque por cima uma rodela de massapão e decore com as cerejas em calda.

sábado, novembro 24

Encontro ao Serão

Hoje, no Bichinho do Conto.


Vamos falar de cozinha, leitura e outros afectos. Num serão, aconchegado por chá e coisas doces.
Mais detalhes aqui



quinta-feira, novembro 22

Gaia



Quando o Outono chegou lembraram-se do calor de lá.  A janela da sala, que dava para um lugar de frutas  cuja dona  usava soquetes por cima dos collants de lã, tinha sempre os cortinados abertos de par em par. Para que a frágil luz do Outono do Norte não se coasse nos tecidos pesados.  A cidade é velha e estreita, lamentava-se o filho do meio com os olhos húmidos de  saudade. E só há brancos. São todos brancos.  A tua irmã e o marido vêm cá jantar hoje.  O homem de cabelos embranquecidos pelo retorno, não respondeu, continuando a curvar os ombros à melancolia e falta de dinheiro.  A filha mais velha, que deixara de esticar o cabelo, porque cá não é preciso, disse, vou comprar tabaco. Não te demores, que os teus tios estão a chegar. A mulher pousou  uma das mãos gretadas pela novidade do tanque num dos ombros curvados. Não chores, homem. Era um choro envergonhado no silêncio da penumbra. Não chores, homem, que a tua irmã está a chegar. Comprei um ananás para a sobremesa. Lembras-te das sacas que comprávamos a caminho do Bilene? O  homem tirou o lenço do bolso casaco e limpou os olhos. Lá fora a chuva morrinha acinzentava os vidros.  Lembras-te? Mas este, de cá,  é muito azedo, tive de lhe deitar açúcar.

Doce de ananás com baunilha e lima



1kg de ananás maduro, descascado e sem o centro
500g – 600 g de açúcar, dependendo da acidez do ananás
Sumo e raspa de 1 lima
1 vagem de baunilha

Corte o ananás aos pedaços, regue-o com o sumo da lima e cubra-o com açucar. Leve ao frigorifico durante, pelo menos 6 horas para macerar. Depois deite a mistura num tacho, junte as  sementes da baunilha, e a restante vagem e a raspa da lima. Depois de levantar fervura, deitxe em lume brando por 50 minutos. Triture tudo, até obter um creme homogéneo e depois deixe ferver em lume brando por mais 10 minutos. Deite em frascos esterilizados.

terça-feira, novembro 20

Retrosaria



Comprava-me um bolo de arroz numa pastelaria que vendia os bolos grandes e retorcidos. Depois dobrávamos a esquina e entravámos numa loja onde as mulheres envelheciam à porta.  Fica cá fora para não deixares cair migalhas, dizia-me. Eu ficava encostada à soleira da porta, ao lado dos carrinhos de lona que cheiravam  a praça. Lá dentro, na penumbra forçada pela montra minúscula onde se exibiam batas e aventais, havia uma explosão de cores. As paredes eram  forradas com gavetinhas que tinham botões colados do lado de fora. Contadores gigantescos cheios de madrepérola e massa de quatro furos.  Atrás do balcão de madeira havia um expositor cheio de carrinhos de linha, ordenados como a minha caixa de lápis de cor. De que cor é  o anil, mãe?  Queria um carrinho de linhas verde garrafa . A dona, que era uma mulher de cabelo curto e crespo, aviava as mulheres sem rosto, cortando tecido barato com os dentes. O marido, sempre atrás do balcão,  fazia embrulhos com papel pardo, que na altura do natal era  branco com umas folhas de azevinho azuis. O filho mais velho andava a estudar para médico, um orgulho, dizia.   Queria um carrinho de linhas verde garrafa, repetiu a minha mãe. A dona fez um sinal ao marido. Ele sorriu contrariado e levantou a tampa de madeira do balcão. Entre, dona. E tire o carrinho, que eu não distingo as cores. O meu filho diz que sou daltónico.

Bolo de arroz




150 g de açucar
150 de farinha de trigo
75g de farinha de arroz
75 g de manteiga
2 colheres de chá de fermento em pós
3 ovos + leite ( perfazendo 250 ml)
1 colher de chá de extracto de baunilha
Raspa de limão q.b
Açúcar q.b

Bate-se o açúcar com a manteiga mole e o fermento até obter um creme de manteiga suave.
Junta-se os ovos e o leite e bate-se bem. Junta-se a raspa do limão e a baunilha.
Por fim, juntam-se as farinhas e envolvem-se até obter uma massa uniforme.
Leva-se, numa forma de bolo inglês, ao forno pré-aquecido,  polvilhado com açúcar para criar a crosta, a 200ºC por 5 minutos e a 180ºC até cozerem.

Receita do Sabores da Alma


sexta-feira, novembro 16

Sem título

Sabemos sempre. Uma espécie de saber em circulo, que volta a origem em traços espessados pela memória. Sabemos sempre, ainda que nos ajustemos, fingindo que não é bem assim, porque é suposto ser de outra forma. 
E nestas manhãs de recomeço, que podem ser frescas, como mais ou menos luz, o tempo confronta-nos. Que sempre soubemos. Que o caminho ia ser por aí.

( A escolha da receita hoje, é só porque sim)

Mini tartes de Nutella


(16 tartes de 8 cm de diâmetro)

350g de Nutella
5 ovos inteiros

Batas os ovos durante 15 minutos até ficar um creme espumoso e espesso. Derreta o Nutella no microondas durante 10segundos e misture cuidadosamente. Leve ao forno pré-aquecido a 150º durante cerca de 20-25minutos, em forminhas untadas e ligeiramente polvilhadas com farinha.

Receita adaptada de um blogue fabuloso. Aqui

quarta-feira, novembro 14

Sissi



Havia um velho gira-discos ao fundo da sala, que só lhe chamavam fundo porque ficava no lado oposto da janela.  O tio punha o velho disco de valsas, e a tia insistia em ensinar os mais novos a dançar. Um, dois, três, e o corpo farto da mulher de  sessenta anos ganhava uma leveza sobre o tapete de arraiolos. Gosto muito de Strauss, dizia outra tia, uma que nunca se levantava, que se deixava estar, sentada de costas para a janela com a chávena e o pires suspensos na mão engelhada.  Do pai ou do filho? Perguntava o tio, enquanto limpava os discos de vinil com uma escovinha de veludo.  Havia sempre uma sobrinha que não sabia dançar. Pescoço levantado, como a Sissi, a imperatriz das valsas de Strauss. Filho? Gostava tanto de conhecer Viena de Austria,  suspirava tia da  chávena de chá. A outra, a de corpo farto, pensava se haveria outra Viena que não fosse de Austria,  enquanto girava dançando com ela mesmo, com o pescoço retesado e inclinado para trás a querer parecer mais alto.  A outra tia pousava o chávena na mesinha de centro, que fora arredada e dizia, a Romy Schneider era belíssima. Pena ter morrido tão nova.

Estórias de ler e de comer para o desafio Convidei parajantar, desta vez na casa da Alice na Cozinha Maravilha.


Uma espécie de  Sacher torte

5 ovos
150 g de chocolate em barra + 125g para cobertura
160 g de açúcar
75g de manteiga sem sal +  2 colheres de sopa para a cobertura
250g de compota de alperce
120m de natas

Derreta o chocolate com a manteiga, reserve. Bata as gemas com metade do açúcar, reserve. Bata as claras em castelo, adicione o restante açúcar e bata até ficar em merengue. Misture o chocolate com as gemas e depois envolva com massa de claras.
Leve ao forno pré-aquecido a 150º, numa forma forrada com papel vegetal durante cerca de 50-60 minutos. Retire e deixe o bolo arrefecer completamente dentro da forma.
Derreta o chocolate com as natas e as duas colheres de sopa de manteiga. Barre o bolo com o doce de alperce e cubra-o com a ganache de chocolate. Se desejar decore-o com alperces secos.




quarta-feira, novembro 7

Não há pessoas felizes


Não há pessoas felizes. Até porque grande parte das pessoas não compreende a matemática. Não sabem o que é uma variável que tende para infinito, ou não concebem um eixo em Rn. Porque para elas o mundo tem apenas três eixos, vá, quatro para os metafísicos. Se as pessoas compreendessem a matemática, saberiam a diferença entre um fenómeno discreto e um fenómeno continuo. Saberiam que uma razão cujo denominador seja zero é indeterminada. E a diferença entre uma condição necessária e uma suficiente. E por isso não existem pessoas felizes. Porque a felicidade não existe enquanto fenómeno contínuo e o vazio das nossas razões também não. Somos felizes em momentos, discretos, ao longo da continuidade da nossa vida. Quando descobrimos que amamos, ou que somos amados. Quando parimos ideias, filhos, sonhos. Sem género. Ou que deixamos de viver no que devia ter sido, esse eixo que teimamos em construir ao lado esquerdo do zero das nossas amarguras.
E é por isso que me fascinam as histórias tristes. Porque são pontos no espaço. Simples pares de coordenadas diluídos nos eixos em que nos desdobramos. E que tentamos apagar nas curvas quase perfeitas daquilo que achamos ter de ser.  Só, porque achamos que esses pontos não são função de nada mais que da má sorte. Mas isso, é tão falso como a Matemática ser difícil. E isto sim é uma verdade absoluta.

Deserto do Mundo, 2009



Chocolate quente com menta

( para 2 pessoas)

500m de leite
100g de chocolate ( de preferencia com mais de 65% de cacau)
5 pastilhas de chocolate e menta ( tipo after eigth)


Leve o leite ao lume, quando estiver bem quente adicione o chocolate partido em pedaços pequenos e as pastilhas. Reduza o lume para muito brando e deixe derreter o chocolate até ficar uma mistura homogénea.
Sirva com chantilly e uma folha de hortelã.