domingo, julho 29

Agosto em Lisboa




O verão desce lânguido pela calçada. O preto e branco do calcário sob as cores mornas de agosto que se unem num só luz. Boa tarde, diz-me o homem sem nome e de sorriso de todos os dias. Boa tarde, respondo ao vulto que de costas, dobra a esquina da rua que ainda tenho na memória. Mas antes cruza-se com uma mulher, de pele sardenta e avermelhada pelo sol que lhe é estrangeira. Desce com uma caixa de mirtilos na mão. As unhas arroxeadas pelo sumo. Lá ao fundo o rio. Que eu quero pensar que ao fundo da rua estará sempre o rio, o meu rio. O eléctrico que desce . Sento-me ao colo da cidade a que chamo minha. Atrás de mim, a porta da confeitaria que ficou entreaberta.

Mil folhas com mousse de mirtilo


( para 6)

6 folhas de massa filo
400ml de natas
3 claras de ovo
250 g de mirtilos
150 g de açucar
5 folhas de gelatina
50 ml de água

Corte uma folha de massa filo em quatro tiras. Pincele-as com manteiga e sobreponha-as. Depois corte a tira final em 3 partes. Repita o processo para as restantes folhas de massa. Coloque num tabuleiro e leve ao forno pré-aquecido a 200º até ficarem douradas. Reserve.
Coloque as folhas de gelatina em água fria. Leve os mirtilos com a água e o açucar, num tachinho a lume brando. Quando os mirtilos tiverem desfeitos, coe e desfaça as folhas de gelatina no preparado de mirtilo. Bata as natas e depois  misture com as claras batidas em castelo. Misture bem a calda de mirtilo e leve num tabuleiro, ao frio durante pelo menos 6 horas. Corte a mousse em fatias e disponha os mil folhas como na imagem.

Receita para o Desafio Dories às Sextas

quarta-feira, julho 25

Irmãos Grimm



As letras cansavam-lhe os olhos demasiado habituados a ver a vida passar da janela da cozinha.  Debruçava-se sobre o parapeito de braços cruzados enquanto via as pessoas de todos os dias. Atrás dela ficava sentado o irmão, de joelhos raquíticos juntos e cabeça tombada sobre um dos ombros. Atrás do irmão, um corredor estreito onde a luz chegava só a meio e que terminava numa cadeira de palhinha ao lado de uma mesa de madeira talhada em arabescos dourados. Nessa mesa havia um terço de prata e um livro, de capa azul e páginas amareladas, de um tempo em que as letras ainda corriam mais depressa que a vida das pessoas na sua rua. Quando se cansava, puxava a cortina de terylene que corria no esticador e dizia para o irmão. É todos os dias a mesma coisa, não se passa nada de novo. O irmão encarquilhava as mãos para dentro da camisola. Ela suspirava e sentia que se lhe encarquilhava a vida. Falava-lhe como se ele lá não estivesse e o olhar fugia-lhe para além do meio do corredor escuro. Levantava-se, enrolava o terço na mão enquanto soprava uma breve oração pela alma da mãe e trazia o livro até à cozinha. Corria de novo o esticador do cortinado. O irmão pestanejava incomodado pela luz. Ela, encostada ao lava-loiça silabava o título na voz embaciada pelos olhos cansados. O irmão quase sorria e esticava os dedos para fora da camisola. E ela pensava que já lera mil vezes aquelas histórias de criaturas encantadas. Histórias de florestas negras. Da rua, entrava o barulho das vizinhas. É todos os dias a mesma coisa, não se passa nada.

Gelado Floresta Negra


Gelado de Chocolate:

300g de chocolate preto
100g de açúcar
200ml de natas
500ml de leite
4 gemas
200 ml de natas
1 colher de sopa de açúcar
1 colher de sopa de licor de ginja
Cerejas em calda

Leve a lume brando o leite, as natas e chocolate até este derreter completamente. Bata as gemas com o açucar e adicione o preparado anterior lentamente. Leve novamente ao lume até engrossar ( sem ferver). Deixe arrefecer totalmente e leve à sorveteira.
Para montar:
Batas as natas em chantilly com o açúcar e o licor. Sirva com o gelado decorado com cerejas em calda.



terça-feira, julho 17

Ponta Gea



Sempre que chovia esperava pela enxurrada. Pelo barulho ensurdecedor da água no chão. Lá ao fundo, num fundo perto da janela, havia o mar. Aqui a cidade era velha e cinzenta-quase-branca. Sem as avenidas largas dos seus doze anos. Depois da chuva, o cheiro forte da terra molhada. Aqui só pedra molhada, que a pedra não tem cheiro por ser cinzenta. O cinzento sim, é a ausência de tudo. Que olhas tu pela janela? Olho o mar, o mar que ficou do outro lado. Os rapazes galgando as ondas  nas pressões de ar e o cheiro, o cheiro que nunca vem depois daquela chuva morrinha. Aqui o tempo não chove, aqui o tempo chora, como se lhe doesse a falta de espaço e de cor. Que olhas tu pela janela? As mãos no vidro a quererem aumentar as gotas minúsculas presas ao vidro do tempo. O barulho é imenso mas dura metade do tempo de uma manga comida debaixo do alpendre. O sumo doce pinga da boca e o aroma mistura-se com o da terra molhada. Que olhas tu pela janela? Nada, não olho nada. Que o cinzento é nada.

Tarte tatin de Manga



2 mangas
1 embalagem de massa folhada
60g de manteiga
120g de açucar
Raspa de 1 lima
2 colheres de sopa de coco levemente tostado

Descasque as mangas e corte-as em pedaços. Derreta a manteiga com o açúcar, numa frigideira que possa ir ao forno,  até caramelizar ligeiramente. Junte a manga e a raspas de lime e deixe caramelizar. Deixe arrefecer um pouco e coloque a massa folhada por cima. Leve a forno pré-aquecido a 180º . retire quando a massa estiver folhada. Desenforme de imediato e polvilhe com o coco ralado.

domingo, julho 15

Eratóstenes

Hoje a Confeitaria abre as portas a uma memória. A ideia era convidar uma Mente Brilhante para Jantar. E eu, o meu eu ainda criança lembrou-se deste homem. Que me fez pensar que por mais que respirasse letras, estas também serviam para descodificar a tabela Periódica e os fenómenos da Física. Que a ciência também era poesia. Uma vez por ano, celebro-o. Juntamente com outra mente brilhante, Eratóstenes. Acham que se pode medir o diâmetro da terra com uma vareta? Aqueles a quem chamo alunos dizem que não, com a certeza que a tecnologia é um tesouro moderno. Têm razão, respondo. Também é preciso um escravo. Bem hajas, Carl Sagan.




Gelado de iogurte grego com nougat de mel, nozes e pinhões




Para o gelado:
450g de iogurte grego natural
250ml de natas
30ml de mel
2 colheres de sopa de açúcar
Raspa de uma laranja

Para o nougat:
50g de pinhões
100g de nozes
100g de açúcar
50 ml de água
30 ml de mel



Bata as natas em chantilly com as duas colheres de sopa de açúcar. Misture o iogurte com o mel e a raspa de laranja. Misture as natas e coloque na sorveteira.
Entretanto leve ao lume o açúcar, o mel e a água até fazer ponto de caramelo. Junte os pinhões e as nozes picadas grosseiramente.  Deixe arrefecer e desfaça o nougat em pedaços. Deite 2/3 do nougat na sorveteira. Ao servir decore com o nougat restante.

sexta-feira, julho 13

Amarelo


Há um cheiro amarelo, quase ocre nos últimos dias de Agosto. Pensou. Os olhos semicerram-se e a memória arrasta-se com a maré que baixa. No limite das auréolas salgadas, uma mulher de saia branca. Parece a mulher dos bolos. E a voz aguda gritada por entre as ondas regressa. A cesta de verga grossa e desfiada numa das asas. As pernas escuras e inchadas por debaixo da saia arregaçado num dos lados. A mulher dos bolos. A mãe, de fita às flores no cabelo loiro chama-a com um gesto do braço direito, agitando a as escravas de ouro branco. E a mulher na mesma toada sai do seu trilho de areia molhada. Lentamente. Com os pés meio enterrados na areia já morna de fim de tarde. Ajoelha-se a dois passos da sombra da barraca de riscas azuis. A saia branca tapa-lhe os joelhos encardidos. Sorri. E a boca despida de dentes ilumina os olhos negros e pequenos. As mãos com cheiro a canela e laranja entregam os bolos. Guarda as moedas no bolso grande da saia e retoma o seu trilho de pegadas húmidas e aureolas salgadas.
Há um cheiro viscoso, quase amarelo, nos últimos dias de Agosto. Um cheiro primário, simples. Sem mistura de cores nem matizes mundanas. O cheiro original da tinta com que nos pintaram por dentro.

Macarrons com Lemon Curd



225 de açúcar em pó
130 g de amêndoa  moída
3 claras
60 g de açúcar granulado
Lemon curd


Coloque o açúcar em pó com a amêndoa num robot de cozinha e moa até obter uma mistura bem fina. Peneire esta mistura para uma tigela grande. Bata as claras em castelo, junte o açúcar e bata em merengue. Misture cuidadosamente o merengue com a amêndoa. Deve apenas misturar o suficiente para para ficar homogéneo. Deite o preparado num saco de pasteleiro e  faça pequenos círculos num tabuleiro previamente forrado com papel vegetal de boa qualidade ( para que os macarrons não peguem no final). Deixe repousar pelo menos 40 minutos de forma aos macarrons ganharem um película protectora. Leve ao forno pré-aquecido a 120º durante 20 minutos. Deixe arrefecer completamente e recheie com o lemon curd.



sexta-feira, julho 6

Espero por ti em Agosto




A época das cerejas está no fim. Lembro-me do tempo em que fazíamos brincos com elas. Cuidado que manchas o vestido, gritavam as mães. Lá fora, a ladeira de granito que subia até à igreja e os vestidos justos no peito que teimava em crescer apesar das tranças arranjadas para a catequese. Olha que sujas o vestido. E as asas, feitas de arame e tule ordinário, as asas que nesse tempo pensávamos ser imensas.  O cheiro a aguardente do café da associação abafava o perfume a alfazema que a tua tia trazia de França. A época das cerejas está a chegar ao fim. Queria guardar-te algumas no regaço. Na saia do vestido de anjo. Olha  que manchas o vestido. Imagino-te do outro lado do Oceano, a enrolares o português que esqueceste. Foste daqui doutora de mãos vazias. Vens a caminho desde a ultima vez que cá estiveste. O sino da igreja na lentidão do calor da tarde. As nódoas vermelhas que tentávamos esconder por debaixo do missal. Olha que sujas o vestido. A época das cerejas está a chegar ao fim. É sinal que chegas em breve. Espero por ti em Agosto.

Cerejas em calda de brandy



750g de cerejas descaroçadas
200g de açucar
2,5 dl de água
1 dl de brandy

Leve o açúcar e água num tachinho até fazer ponto de pérola. Junte as cerejas e 50 ml de brandy e deixe ferver por 10 minutos. Retire e deite num frasco esterilizado e cubra com os restantes 50 ml de brandy.

terça-feira, julho 3

Renato


Era o mais novo de cinco filhos. Tinha uma cabeleira excessivamente ruiva que lhe afogava o castanho dos olhos. Entrava em silêncio em casa como se os pés não chegassem ao chão. Olá mãe. Ela levantava os olhos do pano que invariavelmente tinha sobre o colo, rasgava a linha com os dentes e dizia baixinho, tão baixinho como se confessam as mágoas, olá filho. E ele entrava no quarto ao fundo do corredor, cuja porta estava sempre fechada. Os meus outros filhos estão muito bem na vida, dizia às clientes que rolavam os olhos pelas molduras que cobriam as paredes cor de toupeira. Os outros filhos, de cabelo louro deslavado como o dela, sorriam na prosperidade das fotografias. Faz-lhe falta o pai, dizia ao prender mais um alfinete. Vive às custas da mãe, coitada, diziam as vozes que desciam as escadas do prédio. Eram vozes de ombros encolhidos que imaginavam a má vida do filho à imagem e semelhança da estranheza do vermelho do cabelo. Pô-lo fora de casa era o melhor que ela fazia. Mas ela, a mãe de cabelo louro deslavado, à noite, depois de lhe afagar duas vezes a cabeça ruiva que dormia, deixava por debaixo do tabuleiro do leite quente e das bolachas uma nota das azuis. E olhando para as fotografias que à noite lhe pareciam que sorriam menos dizia. Faz-lhe falta o pai.

Bolachas com pepitas de chocolate



275 g de farinha sem fermento
25g de maisena
100 g de manteiga sem sal
200g açucar amarelo
2 ovos
200g de pepitas de chocolate ou chocolate picado
½ colher de chá de femento em pó
Pitada de sal

Bata a manteiga com o açúcar. Junte os ovos um a um. Junte a maisena, a farinha, fermento e o sal. Misture tudo muito bem e  no fim, envolva as pepitas. Com uma colher de gelado pequeno, distribua bolas de massa num tabuleiro forrado com papel vegetal. Leve ao congelador por 15 minutos e depois a forno pré-aquecido a 180º por 15-20 minutos. 

( rende cerca de 20 bolachas)