quarta-feira, dezembro 28

Winter's Tale

Chegam todos os dias à mesma hora. Como se o tempo se perpetuasse com o cumprir das horas. Sentam-se, de casacos vestidos em roda da mesa. Falam de coisas passadas e daqueles já morreram. A morte bebe café com eles e eles consentem, sabendo-a ali, por cima dos seus ombros curvados pelas artrites. Falam dela como se a desafiassem. Ela ignora-os, na sua espera vazia de credos e religiões. Há sempre um deles que se queixa do frio. Outro da ausência dos filhos. Ambas doem no corpo. Há dias que se mantêm ali, calados, olhando a senescência das folhas, à qual já chamaram Outono. São os dias em que contam menos um entre eles. A rapariga do café sabe que nesses dias os cafés do costume não são suficientes e  traz-lhe pequenas tigelas com doce de ovos. Que com a idade os velhos ficam gulosos. Fica ali, vendo-os comer em colheradas pequeninas, com medo das nódoas, pensado que cada vez traz menos tigelas de barro. E aos lamentos de gripes e dores nos ossos responde com a impaciência de quem ainda acredita que o tempo não termina. Isso passa quando os dias quentes chegarem.

Doce de ovos com laranja e canela





10 gemas
250g de açúcar
200ml de água
Raspa de 1 laranja
2 paus de canela

Leve o açúcar, a água, a raspa de laranja e a canela a lume brando até fazer ponto de fio. Retire do lume e coe por um passador. Junte as gemas desfeitas e leve de novo a lume muito brando até engrossar. Sirva frio em tacinhas .

quinta-feira, dezembro 22

Tempo de Memórias



Todos os pretéritos se conjugam nos dias mais curtos do ano. Há memórias que se reconstroem na sépia dos cheiros. E chamamos Natal a essa curva que se repete na estrada do tempo.

Boas Festas a todos os leitores da Confeitaria.

terça-feira, dezembro 20

Manhã de Natal



Antes da curva da estrada havia uma janela. E dentro dessa janela havia uma casa, cheia de manhãs a cheirar a chocolate e framboesa. Depois da porta, que rangia baixinho nas dobradiças, havia passos no soalho de madeira que às vezes cheirava a cera fresca. Havia sombras de memórias esquecidas nas esquinas de pedra mármore. Na sala, um velho tapete pisado por danças que nunca aconteciam. E a música que pingava da imitação de lustre comprada numa loja sem nome. Ao fundo do corredor abria-se a porta para cozinha de todas as alquimias e azulejos cinzentos impregnados de pretéritos e vozes. Havia mãos, umas velhas e experientes, esperando o ponto de açúcar, e outras pequenas desenhando letras na humidade dos vidros. Havia uma mesa posta com cheiros e um serviço chinês com flores de pessegueiro pintadas de azul. Antes da curva da estrada havia uma manhã, de todos os silêncios e memórias, fotografadas em papel que foi perdendo a cor. Havia um Natal depois de nós que ficou para além dos olhos que viviam na casa da curva da estrada.



Compota de framboesa e chocolate



500g de framboesas congeladas
200g de chocolate
200g de açúcar
Leve as framboesas com o açúcar num tacho até levantar fervura. Depois baixe o lume para muito brando e deixe cozinhar durante cerca de meia hora. Junte o chocolate partido em pequenos pedaços e retire do lume. Leve ao frigorífico durante pelo menos 8 horas. Depois leve a compota novamente ao lume, e deixe ferver durante mais 20 minutos em lume brando. Distribua o doce por frascos esterilizados. 


Texto apresentado no evento Manhã de Natal, organizado pela La Maison by Amora

quarta-feira, dezembro 14

Rabanadas


As memórias só têm janelas. Poderia  dizer-lhe  a avó que nunca tivera. Imaginava-a assim,  de costas, sem rosto mas a cheirar a canela e a sabonete de glicerina. De costas, debruçada sobre um fogão numa chaminé de pedra,  talvez  manchada por limões esquecidos no canto. Os cabelos prateados a soltarem-se de um apanhado feito com ganchos de noiva.  E a mão engelhada e manchada a apanhá-los com o ritmo das horas. As memórias só têm janelas, dir-lhe-ia enquanto fritasse rabanadas. Nas paredes, panos da loiça bordados num tempo de enxoval e cheiro de aldeia fotografada a preto e branco. E o pão duro, transformando-se em fatias doces na frigideira. Janelas voltadas para dentro e para fora, mas sempre abertas.  E pensou que  apesar de sentir o açúcar húmido, no canto da boca, nunca tivera avó.  Só janelas, construídas com memórias de olhos fechados.



Rabanadas de Bolo Rei




8 a 10 fatias de bolo rei
2 ovos + 2 gemas
½  chávena de leite
Raspa e sumo de uma laranja
1 colher de sopa de vinho do porto
2 colheres sopa de açúcar + açúcar para polvilhar
Manteiga para fritar


Bata os ovos com o leite, o sumo e raspa de laranja e o vinho do porto. Deite num prato fundo e deixe as fatias de bolo rei embeberem a mistura dos dois lados.  Deite um pouco de manteiga numa frigideira e frite as rabanadas até que fiquem douradas dos dois lados. Retire-as  para um prato com papel absorvente. Deixe arrefecer e polvilhe-as com açúcar granulado e queime-o com um maçarico .

sexta-feira, dezembro 9

Wise Up

Há um homem novo sentado do lado de dentro do vidro. Come uma tarte de limão enquanto envia fotos das férias passadas aos amigos virtuais. Cá fora, o Inverno corre na toada húmida do tempo. O frio não tem cor, nem os rostos, reais, das pessoas que passam do outro lado do vidro. A cor do homem dissolve-se no mundano dos seus gestos. Só há cor  no creme que pinga do garfo esquecido. O resto é cinzento, virtual. Cá fora há uma última folha de lodão-bastardo que cai no chão. E fico a vê-la a planar num tempo desfasado do metrónomo do mundo.

No, it's not going to stop
'Til you wise up 

(Aimee Mann)




Tarte de Limão





1 receita de massa quebrada
1 receita de Lemon curd
5 claras 
175g de açúcar

Forre uma forma de tarde com a massa quebrada e leve a cozer ao forno durante 20 minutos as 180º ( pique-a e depois cubra-a com papel de aluminio e grão para não deformar). Retire do lume e deite o lemon-curd. Bata as claras em castelo com o açucar até obter massa de merengue. Deite colheradas sobre o lemon curd e leve de novo ao forno até dourar ligeiramente.


Dez mil







Hoje a confeitaria, ao fim de pouco mais de três meses de existência, conseguiu juntar 10000 visitas, leitores, amigos, clientes. Enfim, tantos olhos sobre as histórias com mais ou menos sabor a memórias e vidas que passam na nossa rua.


O meu obrigada pela generosidade dos vossos olhos. Bem hajam!


Para celebrar, o Come Chocolates, convida-os para uma Manhã de Natal com chocolate quente e outras delícias, no dia 17 de Dezembro aqui

quinta-feira, dezembro 8

Para sempre

Fazia sempre o mesmo bolo de chocolate, todos os primeiros Domingos de cada mês. Enquanto a mãe e as irmãs iam à missa, ela ficava sozinha derretendo o chocolate e misturando-o com ovos e açúcar. Fazia-te bem uma oração, Laurinda, dizia-lhe a mãe. Já não tenho nada para conversar com Deus, respondia, com os olhos tão vestidos de preto como o seu corpo franzino. E curvava-se sobre a sua dor e os tachos enquanto as outras saíam. Tenho frio, dissera-lhe uma noite. Ele, então, cobrira o seu corpo nu com uma manta velha de retalhos e dera-lhe um copo de licor. Toma, que te aquece. E ela sentira o licor de ginja escorrendo-lhe por dentro enquanto os beijos e os olhos verdes dele lhe escorriam na pele. Para sempre, dissera-lhe ele. Até que Deus nos separe. E separara. Colocava os bombons de ginja na massa de chocolate enquanto bebia um cálice do licor. Só para se lembrar do cheiro, da voz dele, num tempo ainda antes de Deus. Os sinos que anunciavam o fim da missa tocavam na mesma toada com que deitava a cobertura de chocolate, natas e licor por cima do bolo. Até que Deus nos separe, ouvia-o dizer enquanto punha mais um lugar na mesa, como fazia todos os primeiros domingos de cada mês. Não te esqueças que o senhor padre almoça hoje connosco, dizia-lhe a mãe antes de sair. Não, ela nunca se esquecia. O padre chegava, novo, vestido com um calvário antigo no rosto, e almoçavam todos no silêncio de quem não sabe o que dizer. No fim ela servia fatias do bolo com o café, e o padre ao saborear a ginja e o licor do bolo, sorria com os olhos verdes escorrendo de novo na pele de Laurinda, que parecia que o ouvia de novo a sussurrar: Até que Deus nos separe.


Bolo de chocolate com bombons de ginja





200g de chocolate
100g de manteiga sem sal
100g de açúcar
100g de farinha
4 ovos
1 colher de chá de fermento
1 colher de café de sal
16 bombons de ginja

Pré-aqueça o forno a 190º. Derreta o chocolate e a manteiga em banho-maria. Bata os ovos com o açúcar e junte o chocolate. Peneire a farinha, sal e fermento para a mistura e envolva. Deite a massa numa forma de buraco e distribua os bombons pela massa. Leva ao forno durante cerca de 30 minutos

Para a Ganache

200g de chocolate
100ml de natas
1 colher de sopa de manteiga sem sal
2 colheres de sopa de licor de ginja

Derreta, em banho-maria, o chocolate juntamente com as natas e a manteiga. Retire do lume e junte o licor, mexendo sempre. Deite sobre o bolo completamente arrefecido.


Esta receita é participação do Come chocolates pequena; Come chocolates!  no passatempo Chocolate e Picante: Um desafio de receitas com histórias dentro, promovido pelo blogue Gourmets amadores em conjunto com a Casa das Letras do grupo Leya.

terça-feira, dezembro 6

Trinta dinheiros

Costumava sentar-se no banco que havia debaixo da figueira. É uma árvore para gente traiçoeira, dizia-lhe a mãe. Paciência, que fazia boa sombra. Sentava-se no banco e punha as nozes, que trazia no bolso, dentro da boina de fazenda. E ficava ali, a parti-las com as mãos, enquanto via quem passava, mesmo quando não passava ninguém. Às vezes dizia, boa tarde, mas os outros baixavam os olhos e murmuravam, é o bufo. Ele ouvia, mas não ligava, encolhia os ombros e partia mais uma noz. Às vezes também passava uma velha. Ela passava no seu passo quebrado de viúva, que é um passo de quem já não espera mais nada. Tinha um filho, a velha. E ele partia mais uma noz a tentar lembrar-se da cara do rapaz. Nunca conseguia. Era normal. Só se lembrava dos nomes. Para isso sim, sempre tivera boa cabeça. Era até capaz de se lembrar dos apelidos todos e pela ordem certa, se fosse caso disso. A velha, sempre que passava, parava e olhava-o com os olhos bem abertos. Cabrão, dizia entre dentes. Ele ouvia, fingia que a noz tinha bicho e deitava-a fora. Manuel. Era como se chamava o comuna do filho dela. Manuel de Jesus Cipriano. A velha afastava-se na curva do caminho. Cabrão do bufo que não há meio de morrer, ela a dizer, com a raiva a vergar-lhe ainda mais a corcunda das costas. E ele atirava as cascas para o chão e dizia bem alto, Joaquim. Lembra-te que o meu nome é Joaquim.

Mousse de maçã com nozes





600g de maçã reineita descascada
150g de nozes picadas
150 g + 100g  de açúcar
40g de manteiga
3 claras
sumo de 1 limão

Corte as maças em gomos finos e regue-os com metade do sumo de limão. Leve a manteiga com 150g de açúcar ao lume até fazer um caramelo claro. Junte as maçãs e deixe caramelizar até amolecerem. Deite as maçãs e o caramelo, juntamente com o restante sumo de limão num liquidificador  até ficar um creme aveludado. Deixe arrefecer completamente.  Bata as claras em castelo e junte os restantes 100g de açúcar até obter uma massa de merengue. Misture cuidadosamente o creme de maçãs com o merengue. Deite em tacinhas e polvilhe com nozes picadas. Leve ao frigorifico durante pelo menos 1 a 2 horas


Receita adaptada de Maria de Lourdes Modesto