domingo, janeiro 29

Estefânia

Foi assim que eu ganhei minha roupa de poeta. Fiquei tão lindo que Tio Edmundo me levou para tirar um retrato (O meu pé de Laranja Lima, José Mauro de Vasconcelos)

Há quase trinta anos que não me lembrava da mãe de Zézé.  Do quanto ela me parecia velha, mas uma velha feita daquele tempo precoce que nasce do cansaço. Que nela era imenso, arrastando-lhe o português macio dos parágrafos por onde passava. Há quase trinta anos atrás imaginava a mãe de Zézé, sem nome, com olhos pardos, tristes e mergulhados no alheamento que todos os pais cansados pareciam ter. Do Zézé lembro de estar sempre por cima do seu ombro, fosse no carro do português, fosse perto do seu pé de laranja-lima.
Ontem a mãe de Zézé, Estefânia, voltou-me às mãos, num acaso, vestida de novo naquela capa azul roída nos cantos, que as mudanças têm destes retornos.  Pareceu-me mais nova. Os olhos tinham ganho cor nos últimos trinta anos. Podia-me cruzar com ela e perceber-lhe o peso que lhe curvava os suspiros. Ontem vi o Zézé da janela da cozinha. Ralhei com ele sem o ver e de voz arrastada. Ontem os meus olhos sentaram-se cansados no alpendre da cozinha.

Tarte de Laranja e Lima



Para a base:
100g de manteiga sem sal
200g de farinha sem fermento
1 colher de sopa de açúcar
 2 -3 colheres de sopa de água fria
pitada de sal fino

Misture a farinha, com o sal e o açúcar. Esfarele a manteiga bem fria até obter uma textura granulada. Junte a agua fria e faça uma bola com a massa e leve ao frigorífico durante meia hora.
Estenda a massa e forre uma tarteira. Leve a forno pré-aquecido a 180º durante 20 minutos.

200 ml de sumo de laranja
100g de manteiga sem sal
Raspa de 2 limas
125g de açúcar
3 gemas
3 ovos inteiros

 Pré-aqueça o forno a 180º. Leve ao lume o sumo de laranja, a manteiga, a raspa das limas e o açúcar, até derreter a manteiga. Bata as gemas e os ovos e junte a mistura de laranja cuidadosamente,  para não talhar. Leve ao lume até engrossar e deite na tarteira, já com a base de massa quebrada previamente cozida. Leve ao forno por 10 minutos.

Recheio adaptado da Tarte au citron de David Lebovitz

A confeitaria aceitou o mote  Hoje para jantar,  a decorrer no blog Anasbageri, e convidou a Estefânia do Meu Pé de Laranja Lima de José Mauro de Vasconcelos

quarta-feira, janeiro 25

Entremeio

Rosa gosta dos programas que passam de manhã na televisão. Deixa-a ligada enquanto vai fazendo a lida da casa. As vidas desgraçadas dos outros fazem-lhe companhia. Abre a tábua de passar no meio da sala. Hoje veio uma daquelas fadistas novas cantar ao programa. Borrifa a toalha de linho ordinário e experimenta a temperatura do ferro com o indicador molhado em saliva. Antigamente elas não eram assim, jeitosas, comenta. Insiste com o bico do ferro num entremeio de croché. Depois do fado, voltam os casos da vida. Vidas duras. Suspira, enquanto dobra a toalha em quatro e a borrifa de novo. Mais até que a nossa. O alívio e o cansaço arrastam-se na voz sem interlocutor. Há uma mulher que para além de desalojada, chora a sorte do filho preso. Alisa a toalha já passada com a mão. Vende-as na vizinhança para ajudar a pensão de invalidez que a nora lhe arranjou. Disse aos médicos da junta que tinha problemas nos ossos das mãos. Olha para os dedos retorcidos pela agulha de croché. Senta-se no sofá de flores com um pacote de palmiers aberto nas pernas. A mulher que chora, é obesa e tem o cabelo grisalho caído pelas costas. Involuntariamente Rosa apalpa os pneus que transbordam da cinta. Limpa as migalhas de massa folhada de um dos cantos da boca. Dizem que a televisão engorda muito.


Palmiers



250g massa folhada
2 colheres de sopa de açúcar granulado
1 colher de chá de essência de baunilha
Açucar em pó q.b

Pré aqueça o forno a 220º. Estenda a massa folhada até obter um quadrado. Polvilhe com açúcar granulado e com a essência de baunilha. Enrole a massa folhada em dois rolos que se encontrem ao centro. Corte fatias com menos de 1 cm e disponha-as num tabuleiro de ir ao forno. Polvilhe-as com açúcar em pó. Leve ao forno até caramelizarem

domingo, janeiro 22

Manuel Tomás

Sentou-se no alpendre, que não era bem um alpendre mas sim um telheiro de Lusalite que mandara pôr  por  cima da garagem. Sentou-se com as mãos fazendo força nas coxas, respirando com dificuldade.  Sentiu as palmas da mão suadas e limpou-as ao peito da camisa de quadrados, já a esfarelar-se nos colarinhos. A mulher abriu a porta da cozinha e saiu à frente do cheiro quente a canela dos bolos que coziam no forno. Então, homem? Perguntou enquanto limpava as mãos gretadas no pano da loiça. Ele não respondeu. Ela pôs a mão em pala e repetiu. Então homem? Ele ergueu o rosto coberto de suor frio e olhou o rosto grosseiro da mulher que ela voltava para o canto da parede sempre que lhe tentava fazer um filho, como se no escuro do quarto tomasse consciência da sua fealdade. Mas tendo  ele só três dedos na mão direita, perdidos na carpintaria do pai, já ficara satisfeito por pelo menos ela não ter defeito. Fez-lhe um gesto com a mão quando a sentiu a querer descer as escadas. O cheiro a canela já vinha uns dez passos à frente dela. E lembrou-se da mãe, tendendo filhoses de laranja para a quermesse. Devo estar mesmo a morrer, pensou. Diziam que a infância voltava instantes antes da morte chegar. Se calhar a danada já estava  ali por cima do ombro, apertar-lhe aquela dor aguda no peito. Então homem? Já tinha descido os degrau e caminhava lenta para ele. A porta da cozinha aberta e os dedos da mãe cobertos de açúcar e canela mergulhados nos pratos de flores azuis. Danada, rosnou. Então nada, gritou-lhe a custo. Traz-me mas é um cigarro que isto a vida são dois dias. 


Queques de canela e laranja



140 g de manteiga sem sal
150g de açúcar
2 ovos inteiros
230g de farinha sem fermento
1 colher de chá de fermento
2 colheres de sopa de leite
Raspa e sumo de laranja
1 colher de chá de canela

Para a cobertura

50g de açúcar em pó
sumo de laranja q.b

Pré-aqueça o forno a 180º. Bata a manteiga com o açúcar durante 5 minutos. Adicione os ovos e bata mais 10 minutos. Junte o leite, o sumo e raspa de laranja e a canela. Deite a farinha misturada com o fermente e envolva cuidadosamente. Deite em forminhas de queque forradas com caixinhas de papel e leve ao forno durante 15-20 minutos.

Misture o açúcar em pó com o sumo de laranja até obter uma cobertura cremosa. Deite sobre os queques já frios.

terça-feira, janeiro 17

Aconchego

Havia um pátio com chão de cimento por trás do prédio. Onde os estendais se cruzavam, curvados pelo peso da roupa molhada. Havia gatos e um muro. Atrás do muro, ao fim da manhã corria o som do amola tesouras, que se diluía nas primeiras chuvas Inverno. Havia janelas entreabertas por onde saia o som do noticiário da rádio, ou vozes exaltadas ou o ladrar de um cão. Havia uma mulher bordando tapetes de Arraiolos, sentada nas escadas que dava para o pátio. Os dedos macerados e picados da agulha trabalhavam ágeis entre os fios ásperos de lã. Outra, que fazia bolos para fora, abria a janela da cozinha para deixar sair o calor do forno e o seu rosto gordo e corado acenava à janela, juntamente com o cheiro de maçã e manteiga. O homem que todos os dias vinha remexer no lixo olhava-a com os olhos de quem não tinha mulher há muito. Precisas de aconchego, dizia-lhe. Ela desviava os olhos da boca cheia de dentes amarelos mas ficava a ouvi-lo. O pátio enchia-se do cheiro gorduroso da manteiga esfarelada com farinha. E eu era homem para te dar aconchego, repetia enquanto atava as caixas de cartão desmanchadas com cordéis velhos que trazia no bolso. Ela, impassível voltava para dentro da cozinha, deixando a janela aberta. E suspirava. Se ao menos tomasses um banho.


Crumble de maçã e frutos vermelhos 


( para 4)

500g de maçã reineta
250g de frutos vermelhos
Sumo e raspa de uma laranja
30 g de farinha
75g de açúcar

100g de farinha
100g de amêndoa  laminada
75 g de açúcar amarelo
100g de manteiga
Pitada de sal

Pré-aqueça o forno a 180º. Esfarele a manteiga com a farinha e o açúcar e o sal. Junte a amêndoa, misture e reserve.
Misture a maçã, os frutos vermelhos com o açúcar, o sumo e a raspa de laranja. Polvilhe com a farinha.
Em taças individuais que possam ir ao forno, deite um pouco de mistura de fruta em cada uma delas e cubra com a mistura de manteiga e amêndoa.
Leve ao forno por cerca de  35 minutos, até a parte superior ficar dourada.

quarta-feira, janeiro 11

Erva daninha

Adelaide faz compotas para fora. Vende-as numa banca ao fundo do mercado. Em silêncio, sem pregões, alinha os frascos cobertos com retalhos de chita, restos que a dona da loja de cortinados lhe dá em sacos de plástico. Tão nova e já viúva, uma pena. Dizem as mulheres que lhe levam os frascos. Adelaide não as ouve. Mas adivinha-lhes a pena de quem não tem mais nada que dizer, só pelo curvar das costas. A viuvez sem cabelos brancos é uma coisa que não pertence ao correr dos dias da terra. Tivesse eu menos um punhado de anos e casava-me consigo, diz-lhe sempre o homem que lhe vende a fruta, enquanto lhe carrega a carrinha com caixas de madeira. Adelaide sorri com embaraço enquanto desvia os olhos do rosto cravado de cicatrizes de uma varicela mal tratada, e das unhas pretas de terra. As mãos assustam-na, trazem-lhe más memórias. A gente habitua-se à solidão, responde. Foi num acidente a caminho de casa. Ficou-se lá, todo desfeito. Adelaide escuta as vizinhas ao entrar na casa, construída com dinheiro que o pai ganhara no lagar de azeite. Enquanto corta a casca das tangerinas em tiras finas, os olhos fogem-lhe para o armário onde guarda o remédio para as daninhas. Os mesmos que estavam em cima da bancada na noite em que o guarda lhe trouxe a notícia. E lembra-se das noites cheias de mãos de unhas sujas. Que lhe deixavam o corpo negro e uma vontade imensa de morrer. Ouviu a notícia em silêncio sem mexer um músculo do rosto. Fechou a porta quando o guarda entrou no carro e calmamente guardou os frascos de herbicida no armário. Já não é preciso. Disse. Já não é preciso, repetiu enquanto as lágrimas lhe caíram de alivio.


Doce de tangerina



1,5kg de tangerinas
700g de açúcar

Esprema o sumo das tangerinas, coe e reserve. Corte as cascas das tangerinas em tiras muito fininhas e escalde-as por duas vezes consecutivas em água a ferver para perderem o amargo.  Junte as cascas ao sumo e adicione o açúcar e deixe a macerar no frigorífico durante a noite. No dia seguinte leve ao lume até atingir o ponto (colocando um ponto de compota num pires, ao passar com uma colher esta deverá manter-se separada). Deite em frascos esterilizados.

quinta-feira, janeiro 5

Irina



Ao fundo do corredor, o silêncio é quebrado pela água que passa no escorredor do balde. Arruma metodicamente as tolhas turcas ainda mornas do ferro de engomar. Separa as brancas das de cor e coloca entre elas pequenos sabonetes de alfazema embrulhados em saquinhos de organza. Depois, passa a esfregona em círculos lentos, mas perfeitos, no chão, deixando os azulejos pretos e brancos impregnados de lixívia, sabão e sombras de fim de tarde. Os cabelos finos, de um louro improvável soltam-se do travessão preto em forma laço. Pára, por um instante, em frente ao espelho e sem se ver num gesto lento quase gracioso limpa a mancha de bolor que teima em aparecer no canto sem luz. O relógio da sala, relembra-a que é hora de sair. Arruma os detergentes no armário por de baixo do lava-loiça, prende os cabelos soltos com ganchos de noiva e uma rede, guarda o envelope com dinheiro e o quadrado de bolo de chocolate que a patroa lhe deixa sempre em cima da mesinha de entrada. Não gosta de chocolate, pensa enquanto tranca a porta com quatro voltas. Atravessa o quarteirão, e abre outra porta, que não tem trancas, só uma fechadura velha por onde se escoa a música das aulas. Calça as sapatilhas e os olhos azuis ganham luz. Cumprimenta as alunas, alinhadas em duas filas, numa língua que lhe ainda é estranha. E antes de ligar o gravador repara que as suas mãos ainda cheiram a lixívia.



Brownies





150g de chocolate preto
125 g manteiga sem sal
200g de açúcar
5 ovos
50g de cacau em pó
1 colher de chá de essência de baunilha
125g de farinha sem fermento
pitada de sal fino

Aqueça o forno a 170º. Unte uma forma quadrada com manteiga e forre-a com papel vegetal. Derreta o chocolate com manteiga em banho maria. Bata os ovos com o açúcar e junte o cacau. Misture bem e junte o chocolate derretido com a manteiga. Adicione a baunilha e o sal e depois a farinha envolvendo-a cuidadosamente. Deite a massa na forma quadrada e alise-a. Leve ao forno cerca de 25 minutos. Desenforme e corte em quadrados depois de frio.