quinta-feira, março 28

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No preciso momento em que as sombras se começam a encurtar pelo passar da manhã, o autocarro parte e a rua esvazia-se . Ficam apenas o homem do quiosque que arruma os jornais e os velhos do café que esperam a hora do almoço e outras horas de solidão. Há também um homem sentado na berma do passeio, que canta uma lengalenga sem sentido. O homem do quiosque manda-o calar. Chama-o pelo nome. O homem levanta-se e resmunga. Vai para casa, Gregório, repete, mas sabe que ele não tem casa. Só uma caixa de cartão com umas mantas que estende ao lado da serralharia. Uma mulher e uma criança aproximam-se da paragem. Ele segue-as. A mulher faz de conta que não vê. Vai para casa, Gregório. Ele encolhe os ombros e aproxima-se da mulher, cheiras bem. A mulher retrai-se com medo, o mesmo medo que tem do cães, enquanto a criança tira um resto de caramelo preso no céu da boca. Cheiras bem. A mulher olha para fim da rua. O autocarro que se aproxima parece-lhe longe. A criança desembrulha outro caramelo por detrás das pernas da mãe. Vai para casa, Gregório, diz o homem do quiosque. Irritado encolhe os ombros. Apanha uma beata do chão e mete-a na boca. O autocarro pára, cheiras bem, diz entre dentes. A rua esvazia-se de novo. O papel do caramelo esvoaça na calçada, enquanto Gregório finge que fuma.

(Deserto do mundo 2009)

Brownies com caramelo




5 ovos
225g de chocolate
125g de manteiga sem sal
150g de açucar
150g de farinha sem fermento
1 colher de chá de baunilha
1 colher de café de sal fino

para o caramelo:

1 chávena de açúcar
1/2 chávena de água
1 vagem de baunilha
500ml de natas
pitada de sal grosso
50g de manteiga sem sal


Derreta o chocolate com manteiga em banho maria e reserve. Bata os ovos  inteiros com o açúcar e junte a mistura de chocolate. Junte a baunilha e o sal e no fim envolva a farinha.
Leve numa forma forrada com papel vegetal, ao forno pré-aquecido a 160º durante 20-25 minutos.


Leve as natas, a manteiga, o sal e as sementes de baunilha ao lume até levantar fervura. Apague o lume e deixe repousar. Leve o açúcar e água num tachinho até fazer um caramelo dourado, apague o lume e junte a mistura de natas. Leve de novo a lume brando durante 5 minutos. Deixe arrefecer por complecto e cubra os brownies com este caramelo.

sexta-feira, março 22

Maria Arminda



Saiu para sulfatar as primeiras flores do pomar. No próximo Domingo não o quero ver com essa camisa preta, dissera-lhe a filha mais velha  com mesmo tom de voz com que falava com os filhos. A Maria Júlia também vem? Não, a mais nova nunca vinha, saíra de lá, no cedo dos mais novos, para a cidade. Mandava pela outra irmã uma caixa de pasteis de nata e os móveis velhos desfeitos e pintados de outra cor. É artista, dizia ele aos outros que perguntavam por ela. Descia o carreiro para o pomar e quatro passos à frente dos dele as filhas, ainda pequenas, a correrem.  Não o quero ver com essa camisa, ouviu? Atrás dele, o silêncio da renda que a mulher nunca mais fizera, a crescer por entre o cheiro do almoço. A mais nova a cair no carreiro. Não chores, não chorava, e os mesmos olhos secos a fugirem do caixão aberto da mãe.  Vista uma camisa branca, aquela dos Domingos. Quantos Domingos tinha um ano de casa vazia? À volta do pomar, enquanto a abotoava a camisa branca, viu os pasteis de nata na mesa e a cadeira vazia pintada de um azul que destoava da madeira desbotada das outras cadeiras. A filha mais velha ajeitou-lhe o colarinho, ora se não está melhor assim, e ele a repetir baixinho o nome da mulher, Maria Arminda, Ma-ri-a-ar-min-da, o que diz, está a rezar?  Ele sorriu com os dentes que já não tinha, pelo menos as letras dos nomes não mudam de cor.

Pastel de Nata desconstruído



1 l de leite 
1 casca de limão 
6 de gemas 
150gr de açúcar
50gr de amido de milho 
50gr de farinha 
açucar em pó 
canela 

Aqueça o forno a 250º. Com o rolo, estenda a massa, pique-a levemente com um garfo e coloque-a entre duas placas de forno. Leve a cozer durante 15 minutos. Deixe arrefecer e corte-a em rectângulos iguais. Reserve.
Num tacho, ferva o leite com a casca de limão.
Deixe em infusão durante 10 minutos. Misture bem as gemas com o açúcar, a maisena e a farinha e adicione gradualmente o leite, sem parar de mexer. Deite de novo no tacho e leve ao lume até espessar. Cubra com película aderente para não secar e reserve.
Com o saco de pasteleiro, cubra 4 rectângulos de massa folhada com creme. Repita este processo até obter 3 camadas.
Polvilhe a superfície com o açúcar e queime com um maçarico. Polvilhe com canela e açucar em pó.

Receita de José Avillez retirada daqui 




domingo, março 17

Da Poesia


Quis escrever um poema.  Mas o peso das palavras de mais de três silabas pingava-lhe antes da tinta da caneta. Quis escrever um poema sem gostar sequer de ler poesia, mas o Perdigão, que o pai dizia à laia de ladainha enquanto partia nozes com uma mão contra a outra, parecia-lhe pastoso nas redondilhas. Quis escrever um poema formidável,  de versos alexandrinos, cheio de metáforas para a posteridade , mas a caneta continuava presa no ar e todos sabemos que esse não é o elemento das letras.  Quis escrever um poema, com cheiro de mansarda, de mostrengo, de poeta mais alto, de desertos do mundo que cabem sempre na minha aldeia,  mas derrotaram-se-lhe as mãos no vazio da folha e disse, mil vezes os metais alcalinos, os gases nobres e halogéneos, que os átomos se conjugam sem rima nem métrica.


O Convidei para jantar…um poema, chega ao fim. E a confeitaria guardou na sua mala, naquela mala onde ficam as memórias boas, um experiência muito gratificante. Trinta e quatro poemas de ler e comer chegaram a estas vitrines. E eu, dona da Confeitaria vos digo: Bem hajam pelo poema que em uníssono construíram com cada um dos vossos convidados.






O pão de cereais  trouuxe-nos dois convidados:  Song of the Open Road de Walt Whitman e Cântico Negro de José Régio 



O Bolo da tia Rosa trouxe-nos dois convidados : Saul Dias e Sophia de Mello Breyner Andresen






























O Convidei para Jantar muda de casa, aqui ao lado, no Panelas sem (de)pressão. Batamos-lhe à porta, então.


terça-feira, março 12

Limoeiro


Nesses dias o que lhe restava era recordação do limoeiro no jardim. A ele, que nunca saíra da cidade e só distinguia os pombos e pardais dos restantes pássaros.  Nesses dias, em que a cor de chumbo do tempo, do que passava nos relógios também, descia aos últimos andares dos prédios, restava-lhe essa recordação, que nunca fora sua mas sim da sua mãe, de um limoeiro ao fundo de um quintal. A mãe sentava-se no banco de cozinha, onde passajava as meias e lhe falava do cheiro dos limões, dos alforges do burro, do sino da igreja, das pessoas cujos nomes eram as suas histórias. Histórias que terminavam quando guardava o ovo de madeira dentro do cesto. Depois escrevia-lhe num pedaço de papel a  meia dúzia de coisas que teria de trazer da mercearia. Ela que se esquecera com o tempo quando usar os esses ou  a cedilha. Se chovesse, enquanto vestia o casaco de fazenda voltada,  pedia, fala-me do baloiço no limoeiro, a mãe sorria, e as palavras delas soavam a gravilha debaixo dos pés, e ao fundo do caminho, daquele caminho que fica por detrás dos olhos ele recordava o limoeiro, enquanto a chuva da cidade pingava pelas pontas de metal do guarda-chuva.

Bolo de limão



Para o bolo

250g de açúcar
5 ovos
250g de farinha
1 colher de chá de fermento
125g de manteiga derretida
Raspa e sumo de 2 limões
1 chávena de lemon curd

Para a calda
100ml de sumo de limão
100 ml de água
175g de açúcar

Para a glace

4 colheres de sopa de açúcar em pó
2-3 colheres de sopa de limoncello


Pré-aqueça o forno a 180º. Bata os ovos inteiros com o açúcar. Junte o sumo e a raspa. Deite a manteiga derretida e bata bem. Envolva no fim, a farinha, com o fermento. Leve ao forno numa forma untada com manteiga e polvilhada com farinha, durante cerca de 30 minutos ( ou até que, espetando um palito no bolo, este saia limpo). Retire o bolo do forno e deixe arrefecer.
Leve o sumo de limão, a água e o açúcar ao lume e deixe ferver em lume brando por 10 minutos.
Corte o bolo ao meio e verta a calda sobre as duas metades. Recheie com o lemon curd.
Misture o açúcar em pó com o limocello cubra o topo do bolo com este glace.


quarta-feira, março 6

Da Caligrafia.




Mesmo quando passou a entregar o correio de mota, continuou a levar-lhe os postais de bicicleta. Um por mês. Nos meses de chuva, dois, que a chuva  recorda-nos as saudades dos outros.  Empurrava a cancela de madeira que nunca tivera fecho, o velho vinha à janela, entra que tenho o café ao lume. Sentavam-se na mesa da cozinha. O velho punha os óculos descaídos no nariz e lia  em voz alta as doze, que por vezes eram sete, linhas de letra miúda, escritas por detrás de gravuras avulsas. Depois  deixava os óculos em cima do tampo da mesa  e enquanto lhe servia o café, dizia, diz qualquer dia volta, que sente a minha falta. O carteiro sorria enquanto aquecia  as mãos na caneca de café quente. Diz que não te esquece. Eu também não esqueço os olhos cor de caramelo dela, disse o carteiro naquele dia de chuvas de Março. Não eram cor de caramelo, disse o velho.  Eram daquele castanho igual a toda a gente. E a letra dela tinha o redondo de quem nunca escreve. Pôs-lhe a mão no ombro.  Ainda não a consegues fazer igual.

Panna cota de caramelo



(para 6)

500ml de natas
250 ml de leite
1 vagem de baunilha
1 colher de flor de sal
250g de açucar
125 ml de água
5 folhas de gelatina

Demolhe as folhas de gelatina em água fria. Leve as natas, o leite , as sementes da vagem de baunilha, e a flor de sal num tachinho ao lume até levantar fervura. Retire do lume.
Leve o açúcar e a água ao lume até fazer um caramelo dourado. Retire do lume. Junte cuidadosamente a mistura de leite e natas e misture bem.  Adicione as folhas de gelatina e leve em tacinhas, ou copos ao frigorifico durante umas horas.

Receita adaptada de masterchef australia




sexta-feira, março 1

Bolerish



Que música é essa, perguntou-lhe ela, faz-me lembrar Satie.  Não conheço, mas parece-me mais Ravel, disse ele e abriu a janela para entrar a manhã.  A luz empalidecida pelo cedo das horas , azulou  as sombras que se espreguiçavam no soalho. Para te aqueceres, disse-lhe enquanto ela se enrolava sobre si com frio.  Faz-me lembrar Satie, repetiu ela.  Não conheço, repetiu ele enquanto acendia um cigarro debruçado na varanda. Ela suspirou contrariada. A primeira vez que nos vimos foi num concerto de Satie,  então se insistes que não conheces, então provavelmente nunca nos teremos visto. Ele pôs a mão do cigarro em concha sobre a testa e franziu os olhos para se habituar à sombra antes dela. Isso não passa de um silogismo de algibeira.



Crepes de chocolate com doce de ovos e framboesas
(receita porque sim)



30g de manteiga
50 g de chocolate em barra
250 ml de leite
2 ovos
2 colheres de sopa de açúcar
150g de farinha
Framboesas

Leve o leite, a manteiga e o chocolate ao lume até derreter por completo o chocolate.  Bata os ovos com o açúcar e junte a mistura de chocolate. Peneire a farinha e envolva bem. Deixe repousar uns 20 minutos.
Deite colheradas numa frigideira de forma a cobrir o fundo com uma camada fina de massa.  Deixe cozinhar até se soltarem dos lados. Volte o crepe e deixe cozinhar mais um pouco.
Sirva-os cobertos com um pouco de doce de ovos e framboesas abundantes.

Receita de crepes de chocolate adaptada de Laura Calder.