quarta-feira, dezembro 28

Winter's Tale

Chegam todos os dias à mesma hora. Como se o tempo se perpetuasse com o cumprir das horas. Sentam-se, de casacos vestidos em roda da mesa. Falam de coisas passadas e daqueles já morreram. A morte bebe café com eles e eles consentem, sabendo-a ali, por cima dos seus ombros curvados pelas artrites. Falam dela como se a desafiassem. Ela ignora-os, na sua espera vazia de credos e religiões. Há sempre um deles que se queixa do frio. Outro da ausência dos filhos. Ambas doem no corpo. Há dias que se mantêm ali, calados, olhando a senescência das folhas, à qual já chamaram Outono. São os dias em que contam menos um entre eles. A rapariga do café sabe que nesses dias os cafés do costume não são suficientes e  traz-lhe pequenas tigelas com doce de ovos. Que com a idade os velhos ficam gulosos. Fica ali, vendo-os comer em colheradas pequeninas, com medo das nódoas, pensado que cada vez traz menos tigelas de barro. E aos lamentos de gripes e dores nos ossos responde com a impaciência de quem ainda acredita que o tempo não termina. Isso passa quando os dias quentes chegarem.

Doce de ovos com laranja e canela





10 gemas
250g de açúcar
200ml de água
Raspa de 1 laranja
2 paus de canela

Leve o açúcar, a água, a raspa de laranja e a canela a lume brando até fazer ponto de fio. Retire do lume e coe por um passador. Junte as gemas desfeitas e leve de novo a lume muito brando até engrossar. Sirva frio em tacinhas .

quinta-feira, dezembro 22

Tempo de Memórias



Todos os pretéritos se conjugam nos dias mais curtos do ano. Há memórias que se reconstroem na sépia dos cheiros. E chamamos Natal a essa curva que se repete na estrada do tempo.

Boas Festas a todos os leitores da Confeitaria.

terça-feira, dezembro 20

Manhã de Natal



Antes da curva da estrada havia uma janela. E dentro dessa janela havia uma casa, cheia de manhãs a cheirar a chocolate e framboesa. Depois da porta, que rangia baixinho nas dobradiças, havia passos no soalho de madeira que às vezes cheirava a cera fresca. Havia sombras de memórias esquecidas nas esquinas de pedra mármore. Na sala, um velho tapete pisado por danças que nunca aconteciam. E a música que pingava da imitação de lustre comprada numa loja sem nome. Ao fundo do corredor abria-se a porta para cozinha de todas as alquimias e azulejos cinzentos impregnados de pretéritos e vozes. Havia mãos, umas velhas e experientes, esperando o ponto de açúcar, e outras pequenas desenhando letras na humidade dos vidros. Havia uma mesa posta com cheiros e um serviço chinês com flores de pessegueiro pintadas de azul. Antes da curva da estrada havia uma manhã, de todos os silêncios e memórias, fotografadas em papel que foi perdendo a cor. Havia um Natal depois de nós que ficou para além dos olhos que viviam na casa da curva da estrada.



Compota de framboesa e chocolate



500g de framboesas congeladas
200g de chocolate
200g de açúcar
Leve as framboesas com o açúcar num tacho até levantar fervura. Depois baixe o lume para muito brando e deixe cozinhar durante cerca de meia hora. Junte o chocolate partido em pequenos pedaços e retire do lume. Leve ao frigorífico durante pelo menos 8 horas. Depois leve a compota novamente ao lume, e deixe ferver durante mais 20 minutos em lume brando. Distribua o doce por frascos esterilizados. 


Texto apresentado no evento Manhã de Natal, organizado pela La Maison by Amora

quarta-feira, dezembro 14

Rabanadas


As memórias só têm janelas. Poderia  dizer-lhe  a avó que nunca tivera. Imaginava-a assim,  de costas, sem rosto mas a cheirar a canela e a sabonete de glicerina. De costas, debruçada sobre um fogão numa chaminé de pedra,  talvez  manchada por limões esquecidos no canto. Os cabelos prateados a soltarem-se de um apanhado feito com ganchos de noiva.  E a mão engelhada e manchada a apanhá-los com o ritmo das horas. As memórias só têm janelas, dir-lhe-ia enquanto fritasse rabanadas. Nas paredes, panos da loiça bordados num tempo de enxoval e cheiro de aldeia fotografada a preto e branco. E o pão duro, transformando-se em fatias doces na frigideira. Janelas voltadas para dentro e para fora, mas sempre abertas.  E pensou que  apesar de sentir o açúcar húmido, no canto da boca, nunca tivera avó.  Só janelas, construídas com memórias de olhos fechados.



Rabanadas de Bolo Rei




8 a 10 fatias de bolo rei
2 ovos + 2 gemas
½  chávena de leite
Raspa e sumo de uma laranja
1 colher de sopa de vinho do porto
2 colheres sopa de açúcar + açúcar para polvilhar
Manteiga para fritar


Bata os ovos com o leite, o sumo e raspa de laranja e o vinho do porto. Deite num prato fundo e deixe as fatias de bolo rei embeberem a mistura dos dois lados.  Deite um pouco de manteiga numa frigideira e frite as rabanadas até que fiquem douradas dos dois lados. Retire-as  para um prato com papel absorvente. Deixe arrefecer e polvilhe-as com açúcar granulado e queime-o com um maçarico .

sexta-feira, dezembro 9

Wise Up

Há um homem novo sentado do lado de dentro do vidro. Come uma tarte de limão enquanto envia fotos das férias passadas aos amigos virtuais. Cá fora, o Inverno corre na toada húmida do tempo. O frio não tem cor, nem os rostos, reais, das pessoas que passam do outro lado do vidro. A cor do homem dissolve-se no mundano dos seus gestos. Só há cor  no creme que pinga do garfo esquecido. O resto é cinzento, virtual. Cá fora há uma última folha de lodão-bastardo que cai no chão. E fico a vê-la a planar num tempo desfasado do metrónomo do mundo.

No, it's not going to stop
'Til you wise up 

(Aimee Mann)




Tarte de Limão





1 receita de massa quebrada
1 receita de Lemon curd
5 claras 
175g de açúcar

Forre uma forma de tarde com a massa quebrada e leve a cozer ao forno durante 20 minutos as 180º ( pique-a e depois cubra-a com papel de aluminio e grão para não deformar). Retire do lume e deite o lemon-curd. Bata as claras em castelo com o açucar até obter massa de merengue. Deite colheradas sobre o lemon curd e leve de novo ao forno até dourar ligeiramente.


Dez mil







Hoje a confeitaria, ao fim de pouco mais de três meses de existência, conseguiu juntar 10000 visitas, leitores, amigos, clientes. Enfim, tantos olhos sobre as histórias com mais ou menos sabor a memórias e vidas que passam na nossa rua.


O meu obrigada pela generosidade dos vossos olhos. Bem hajam!


Para celebrar, o Come Chocolates, convida-os para uma Manhã de Natal com chocolate quente e outras delícias, no dia 17 de Dezembro aqui

quinta-feira, dezembro 8

Para sempre

Fazia sempre o mesmo bolo de chocolate, todos os primeiros Domingos de cada mês. Enquanto a mãe e as irmãs iam à missa, ela ficava sozinha derretendo o chocolate e misturando-o com ovos e açúcar. Fazia-te bem uma oração, Laurinda, dizia-lhe a mãe. Já não tenho nada para conversar com Deus, respondia, com os olhos tão vestidos de preto como o seu corpo franzino. E curvava-se sobre a sua dor e os tachos enquanto as outras saíam. Tenho frio, dissera-lhe uma noite. Ele, então, cobrira o seu corpo nu com uma manta velha de retalhos e dera-lhe um copo de licor. Toma, que te aquece. E ela sentira o licor de ginja escorrendo-lhe por dentro enquanto os beijos e os olhos verdes dele lhe escorriam na pele. Para sempre, dissera-lhe ele. Até que Deus nos separe. E separara. Colocava os bombons de ginja na massa de chocolate enquanto bebia um cálice do licor. Só para se lembrar do cheiro, da voz dele, num tempo ainda antes de Deus. Os sinos que anunciavam o fim da missa tocavam na mesma toada com que deitava a cobertura de chocolate, natas e licor por cima do bolo. Até que Deus nos separe, ouvia-o dizer enquanto punha mais um lugar na mesa, como fazia todos os primeiros domingos de cada mês. Não te esqueças que o senhor padre almoça hoje connosco, dizia-lhe a mãe antes de sair. Não, ela nunca se esquecia. O padre chegava, novo, vestido com um calvário antigo no rosto, e almoçavam todos no silêncio de quem não sabe o que dizer. No fim ela servia fatias do bolo com o café, e o padre ao saborear a ginja e o licor do bolo, sorria com os olhos verdes escorrendo de novo na pele de Laurinda, que parecia que o ouvia de novo a sussurrar: Até que Deus nos separe.


Bolo de chocolate com bombons de ginja





200g de chocolate
100g de manteiga sem sal
100g de açúcar
100g de farinha
4 ovos
1 colher de chá de fermento
1 colher de café de sal
16 bombons de ginja

Pré-aqueça o forno a 190º. Derreta o chocolate e a manteiga em banho-maria. Bata os ovos com o açúcar e junte o chocolate. Peneire a farinha, sal e fermento para a mistura e envolva. Deite a massa numa forma de buraco e distribua os bombons pela massa. Leva ao forno durante cerca de 30 minutos

Para a Ganache

200g de chocolate
100ml de natas
1 colher de sopa de manteiga sem sal
2 colheres de sopa de licor de ginja

Derreta, em banho-maria, o chocolate juntamente com as natas e a manteiga. Retire do lume e junte o licor, mexendo sempre. Deite sobre o bolo completamente arrefecido.


Esta receita é participação do Come chocolates pequena; Come chocolates!  no passatempo Chocolate e Picante: Um desafio de receitas com histórias dentro, promovido pelo blogue Gourmets amadores em conjunto com a Casa das Letras do grupo Leya.

terça-feira, dezembro 6

Trinta dinheiros

Costumava sentar-se no banco que havia debaixo da figueira. É uma árvore para gente traiçoeira, dizia-lhe a mãe. Paciência, que fazia boa sombra. Sentava-se no banco e punha as nozes, que trazia no bolso, dentro da boina de fazenda. E ficava ali, a parti-las com as mãos, enquanto via quem passava, mesmo quando não passava ninguém. Às vezes dizia, boa tarde, mas os outros baixavam os olhos e murmuravam, é o bufo. Ele ouvia, mas não ligava, encolhia os ombros e partia mais uma noz. Às vezes também passava uma velha. Ela passava no seu passo quebrado de viúva, que é um passo de quem já não espera mais nada. Tinha um filho, a velha. E ele partia mais uma noz a tentar lembrar-se da cara do rapaz. Nunca conseguia. Era normal. Só se lembrava dos nomes. Para isso sim, sempre tivera boa cabeça. Era até capaz de se lembrar dos apelidos todos e pela ordem certa, se fosse caso disso. A velha, sempre que passava, parava e olhava-o com os olhos bem abertos. Cabrão, dizia entre dentes. Ele ouvia, fingia que a noz tinha bicho e deitava-a fora. Manuel. Era como se chamava o comuna do filho dela. Manuel de Jesus Cipriano. A velha afastava-se na curva do caminho. Cabrão do bufo que não há meio de morrer, ela a dizer, com a raiva a vergar-lhe ainda mais a corcunda das costas. E ele atirava as cascas para o chão e dizia bem alto, Joaquim. Lembra-te que o meu nome é Joaquim.

Mousse de maçã com nozes





600g de maçã reineita descascada
150g de nozes picadas
150 g + 100g  de açúcar
40g de manteiga
3 claras
sumo de 1 limão

Corte as maças em gomos finos e regue-os com metade do sumo de limão. Leve a manteiga com 150g de açúcar ao lume até fazer um caramelo claro. Junte as maçãs e deixe caramelizar até amolecerem. Deite as maçãs e o caramelo, juntamente com o restante sumo de limão num liquidificador  até ficar um creme aveludado. Deixe arrefecer completamente.  Bata as claras em castelo e junte os restantes 100g de açúcar até obter uma massa de merengue. Misture cuidadosamente o creme de maçãs com o merengue. Deite em tacinhas e polvilhe com nozes picadas. Leve ao frigorifico durante pelo menos 1 a 2 horas


Receita adaptada de Maria de Lourdes Modesto

quarta-feira, novembro 30

Sabão de Marselha


Gostava de ter a casa a cheirar a sabão. Dissolvia meticulosamente os pedaços amarelados no balde, colocava uma toalha turca desbotada dobrada em quatro para assentar os joelhos e com gestos circulares lavava o chão de tijoleira. Depois de lavar o chão, tirava o avental, colocava o colar de pérolas que o marido trouxera em troca de dinheiro que lhe deviam e calçava os sapatos de cetim que usara no dia do seu casamento. Sentava-se ao topo da mesa da cozinha a comer os bolos de amêndoa que fazia todas a sextas -feiras. Comia-os lentamente enquanto olhava para os sapatos de biqueira engelhada e deformada pelos joanetes. No dia em que teve aquela dor no peito, não teve tempo de pôr o colar de pérolas, mas ainda conseguiu calçar os sapatos de cetim, que deixava sempre alinhados à porta do quarto. Foi a última coisa que conseguiu fazer antes de se deixar morrer no chão de tijoleira impregnado de sabão.



Bolinhos de amêndoa






250g de açúcar em pó
500g de amêndoa moída
6 gemas

Pré-aqueça o forno a 180º. Misture o açúcar com a amêndoa e junte as gemas. Bata bem. Forme pequenas bolas e leve ao forno durante  15 minutos.

domingo, novembro 27

Rua do Capelão

( Desafio: Uma receita para a Maria)



Flora viera de Timor ainda pequena, e gostava de fado. Mas ouvia-o em segredo, porque para os outros tinha de gostar da mesma coisa que todos. E aos quinze anos, não havia ninguém, entre todos, que gostasse de fado. Guardava um disco de vinil da Amália entre os livros de físico-química, que ouvia quando estudava  sentada no canto da mesa da casa de jantar. Com os olhos amendoados, que diziam ser da mãe, perdidos na janela aberta para os prédio suburbanos. Cerrava os olhos segundos antes de terminar o fado e tentava imaginar o que seria uma juncada de rosmaninho.

Crepes com molho de laranja



Para os crepes ( 4-6 crepes)
½ chávena de farinha
½ chávena de leite
2 colheres de sopa de açúcar
1 ovo
1 colher de sopa de água
1 colher de sopa de manteiga derreitoda

Misture a farinha com o açucar e junte o ovo. Bata muito bem. Junte o leite e manteiga derretida e misture. Deixe repousar pelo menos meia hora. Antes de fazer os crepes junte a colher de sopa de água. Leve uma frigideira a lume brando e quando tiver quente deite colheradas da massa até cobrir o fundo da frigideira com uma camada fina. Quando os bordos do crepe se começarem a ficar dourados e a soltar, desprenda-os com uma faquinha e com a ponta dos dedos puxe uma das pontas do crepe e volte-o rapidamente. Repita o processo até ficar sem massa.

Para o molho de laranja
1 chávena de sumo de laranja
½ chávena de açúcar
1 colher de chá de farinha
Esprema laranjas até obter um chávena de sumo . Dissolva a farinha do sumo e leve ao lume num tacho, juntamente com o açúcar. Assim que levante fervura, baixe o lume para o mínimo e deixe reduzir durante 10 minutos
Sirva os crepes regados com este molho. Poderá polvilha-los com canela, ou então “quando o rei fizer anos” e houver chocolate, raspe com uma faquinha a tablete e sirva juntamente com o molho





quinta-feira, novembro 24

Cantigas do Maio

Usavam ambas risco ao meio e o cabelo escorrido pelas costas. À noite vinham fumar à varanda. Falavam baixinho com vozes delicadas e cheiravam a incenso. Eu espreitava-lhes os vultos da minha janela. As conversas delas escorriam pelo tempo do parapeito, enroladas no fumo do tabaco e na música baladeira que saía de dentro do apartamento decerto tão diferente do dos meus pais. Também vinham à varanda nas manhãs de Domingo, e enquanto eu esticava as meias de croché pelo joelho, as meias de ir à missa, elas comiam panquecas saídas dos filmes americanos e bebiam café por canecas. Eu mirava-lhes as saias compridas pelos tornozelos e as alpercatas chinesas bordadas no peito do pé. E as baladas cantadas pelo homem de voz triste. As mesmas que o meu pai desligava com a indiferença politica, quando tocavam no rádio. Tens lume? Perguntou-me um dia uma delas, anos depois do tempo da varanda. A voz dela ainda pingava por entre as baladas do homem de voz triste. Tens lume? Baixei os olhos e senti uma das meias de croché a resvalar pela perna. Não. Não fumo. Nunca fumei.


Paquecas com molho de framboesa

Para as panquecas

1  e ¼  chávena de farinha sem fermento
1 colher de chá de fermento em pó
1 ovo
1 chávena de leite
1 saqueta de açúcar baunilhado ( aproximadamente 10g)
30g de manteiga derretida sem sal

Misture a farinha, o fermento e o açúcar. Bata o ovo com o leite e misture com a farinha e o açúcar. Junte a manteiga derretida. Aqueça uma frigideira anti-aderente  e deite colheradas de massa. Deixe cozinhar  em lume  brando até que faça bolhas à superfície. Volte e deixe cozinhar 1-2 minutos.


Para o o molho

300g de framboesas congeladas
1/3 chávena de açúcar
1 colher de chá de raspa de limão

Leve as framboesas ao lume com o açúcar e o a raspa de limão. Deixe ferver durante 6 minutos (verifique se as framboesas se desfizeram todas). Coe o molho por um passador de rede para tirar as sementes. Sirva com as panquecas.

domingo, novembro 20

Verdes anos

O irmão visitava-os ao Domingo, que podia ser o primeiro ou último de cada mês. Ela fazia bolo de chocolate e tirava as estatuetas de pau preto e marfim que tinha na estante da sala. Escondia-as no velho saco da TAP que voltara de lá, forrado com as economias. Com a mesma delicadeza com que cortava as fatias do bolo, pedia ao marido que não falassem de politica. Deixei lá a minha vida, respondia-lhe ele com a voz embaciada. Eu perdi lá o meu outro irmão, retorquía ela. Servia o chá na sala e ouviam Carlos Paredes no silêncio incómodo do ressentimento. Quando ela lhe estendia o prato do serviço chinês com uma fatia de bolo, o irmão sorria e chamava-lhe burguesa. Ela debruçava-se e dizia-lhe baixinho, as memórias também se curam.


Brownies marmoreados


200g de chocolate branco
200g de chocolate preto
125 g manteiga sem sal
200g de açúcar
5 ovos
30g de cacau em pó
1 colher de chá de essência de baunilha
140g de farinha sem fermento
pitada de sal fino

Aqueça o forno a 170º. Unte uma forma quadrada com manteiga e forre-a com papel vegetal. Derreta o chocolate com manteiga em banho maria. Bata os ovos com o açúcar e junte o cacau. Misture bem e junte o chocolate derretido com a manteiga. Adicione a baunilha e o sal e depois a farinha envolvendo-a cuidadosamente. Deite a massa na forma quadrada e alise-a.Derreta o chocolate branco em banho maria e deite-o sobre a massa de chocolate preto de modo a obter um aspecto marmoreado. Leve ao forno cerca de 25 minutos. Desenforme e corte em quadrados depois de frio.

terça-feira, novembro 15

Dos outros

As duas mulheres da mesa ao lado falam da vida dos outros. Falam com as certezas de quem não sabe nada. De quem não conhece a vida para além do que parece. Há uma terceira que atravessa as arcadas. Aproxima com um sorriso débil, quase a pedir desculpa. Tudo bem? As outras dizem que sim. Ela diz que não, arrastando a voz na tristeza dos dias. As outras esboçam um sorriso em troca do silêncio de quem não sabe o que dizer. Senta-te. Não, o autocarro está quase aí. Olham as três para o desconforto da rua vazia. Os olhos da mulher de pé escorrem dos cones de jornal que o homem das castanhas enrola, para o chumbo do céu que dissolve no rio. As outras tomam-lhe o peso dos dias no cabelo mal pintado e nas unhas roídas. Mexem as colheres nas chávenas, agitando o silêncio húmido dos olhos dela. Não, não está tudo bem. Mas as certezas dos outros são surdas. A mulher despede-se com o mesmo arrasto triste com que chegou. Atravessa a rua e pede uma dúzia de castanhas. Bem-haja, diz-lhe o homem. As mulheres sentadas retomam a conversa sobre a vida dos outros. Uma delas suspira. É a vida.




Castanhas caramelizadas








300g de castanhas congeladas
125 g de açúcar
40g de manteiga




Leve a manteiga e o açúcar ao lume até fazer um caramelo dourado. Junte as castanhas e deixe-as caramelizar durante 5 minutos. Deite-as numa rede e deixe-as arrefecer




Receita adaptada de Vaqueiro

sexta-feira, novembro 11

18


Espera o eléctrico sentado no banco da paragem. Nos joelhos a caixa de cartolina branca, com nódoas da manteiga, das bolachas que compra todas a sextas -feiras na pastelaria do Calvário. Pousa as mãos magras manchadas pelos oitenta anos em cima da pequena caixa e espera. Está quase, vai dizendo a quem chega, sorrindo com a dentadura nova que a filha lhe pagou. Há dias em que vêm dois de seguida, mas é um instante. Os olhos dos outros, dobram-se na impaciência de quem não sabe que um instante passa numa vida inteira. E ele sorri com os seus dentes feitos num consultório de Benfica. As portas do eléctrico abrem-se, ele pica o bilhete e faz um gesto com a mão livre ao condutor. Senta-se com o equilíbrio de quem conhece todos os solavancos da subida para a Ajuda. Em pé ficam os estudantes, muitos cheios de malas com roupa suja, prontos para chegar à terra à sexta à noite. Ele cerra as pálpebras engelhadas e sente a aspereza do granito e o uivar dos lobos cortando o frio da serra e as frieiras das mãos. O eléctrico faz a curva num solavanco e percorre lento o muro da Tapada. Há alguém que toca à campainha. Na entrada da casa dos pais havia um sino velho. O frio húmido das manhãs entranhado nas camisolas de lã áspera. Ajeita-se no lugar para deixar sentar outra velha, talvez menos velha que ele. Outro solavanco. Os estudantes saem com as suas malas de roupa suja. A dele, a que trouxe no comboio até à cidade, tinha roupa lavada e os uivos dos lobos. Levanta-se lentamente apertando contra si a caixa das bolachas. A mulher desvia os joelhos apertados pelas meias de descanso para o deixar passar e fica de olhos postos na caixa. Ele sorri de novo. Foi o açúcar que me deu cabo dos dentes. O eléctrico pára de novo. Saio aqui. Foi um instante.




Bolachas de manteiga e tangerina

( aproximadamente 36 bolachas)


400g de farinha sem fermento
300g de manteiga
200 g de açúcar
Raspa de 3 tangerinas
1 colher de sopa de sumo de tangerina
1 colher de café de sal fino


Bata a manteiga amolecida com o açúcar. Junte o sal, o sumo e raspa das tangerinas. Junte a farinha e amasse. Faça uma bola com a massa e leve ao frigorífico durante cerca de uma hora. Pré-aqueça o forno a 180º. Estenda a massa numa superfície enfarinhada e use um cortador de massa para cortar as bolachas. Leve-as ao forno, em tabuleiros forrados a papel vegetal durante cerca de 20 minutos. Polvilhe-as com açúcar granulado ainda quentes.



segunda-feira, novembro 7

Port de bras

Ao cimo das escadas em caracol havia uma sala, submersa na luz trémula e amarela que era coada pelos vidros martelados da janela. Nessa sala habitavam duas mulheres. Uma cujos os olhos só se iluminavam quando dançava, de braços tão esguios que apanhavam a música que escorria para os cantos da sala. Outra de cabelos ruivos e crespos e rosto quase invisível, porque dela só me lembro das mãos e dos sapatos velhos de atacadores sobre os pedais. A um gesto surdo da mulher dos braços esguios ela deixava cair os dedos sobre o piano e a luz deixava de ser trémula e ganhava a liquidez dos acordes. Ao cimo das escadas em caracol havia uma sala e duas mulheres. E muitos corpos, mornos, ainda sem formas, vestidos com maillots azuis. Corpos alinhados, ao longo de uma barra de madeira, tentando com os dedos ainda curtos da infância apanhar a música que lhes escorria pelos gestos. E havia a voz da mulher de braços esguios, que voava. Naquele tempo, parecia-me que ela podia voar, que voar é tudo o que fazemos para além de nós. Cerrava os olhos e imaginava que os meus braços, as minhas pernas, os meus medos perdiam o peso que os prendiam ao soalho empoeirado, e as dores dos músculos que se queriam ainda pequenos tornavam-se círculos e semicírculos cujos nomes a mulher de braços esguios soprava numa língua doce com sabor de poesia. Ao cimo das escadas em caracol havia uma sala, e havia eu, de braços curtos que só cresceram depois das palavras, das minhas palavras, que se dobraram no espaço para que eu pudesse dançar.



Tanto a historia de Ler, como a de Comer de hoje foram contadas na abertura da escola de Dança e Artes de Óbidos. Uma quase memória oferecida à equipa que tornou possível esta escola. Bem hajam!





Pavlova com lemon curd e frutos do bosque



10 claras à temperatura ambiente
350 gramas de açúcar granulado fino
1 colher de sopa de maizena
1 colher de sobremesa de vinagre de vinho branco
2 colheres de chá de baunilha
400g de mistura de frutos do bosque frescos ( framboesas, mirtilos e groselha)
200ml de natas + 1 colher de sopa de açúcar em pó
1 chávena de lemon curd


Bata as claras em castelo e depois adicione em chuva o açúcar. Bata até obter uma massa consistente, e adicione o vinagre, a baunilha e a maizena. Bata mais um pouco. Desenhe dois círculos em dois tabuleiros forrados a papel vegetal e divida a massa pelos dois círculos. Leve a forno pré-aquecido a 120º durante cerca de 1h.30m.
Bata as natas em chantilly juntamente com a colher de sopa de açúcar e reserve
Retire os merengues e deixe arrefecer completamente. Coloque um dos merengues num prato de servir e cubra com o lemon curd. Coloque o segundo merengue por cima e cubra com o chantilly e decore com os frutos vermelhos

* Receita da Pavlova, adaptada de Nigella Lawson





quinta-feira, novembro 3

1983

As mulheres, a minha mãe e a irmã, ficavam na cozinha debruçadas sobre as páginas brilhantes da revista de costura. Lá fora o Outono de Novembro descia sobre as hortas. O Outono da revista era feito de crianças louras que levavam cones gigantescos nas mãos. O outro, o meu, estendia-se até às encostas cobertas de árvores que nesse tempo me pareciam todas iguais, onde as crianças eram morenas e vestiam camisolas de losangos com borboto e cotoveleiras de bombazina. A minha tia afastava as tigelas de marmelada para o parapeito cheio de frascos de erva-cidreira e cactos raquíticos, para poder estender as folhas pardas de múltiplas linhas em cima da mesa da cozinha. A luz oblíqua descia sobre os cães deitados na gravilha do caminho. Do sótão descia o cheiro forte das maçãs reinetas guardadas para o Inverno. Vens? Perguntavam os meus primos. Corríamos pela estrada de gravilha murada por silvas. Na curva, à entrada da vinha estava sempre um homem sem uma perna, apoiado por uma bengala de cana retorcida. Com as unhas escuras abria pevides e atirava para o lado as cascas. Perdeu-a na guerra. Sussurrava-me sempre um dos meus primos. Pisou uma mina. Os olhos apagados e magros do homem baixavam-se à nossa passagem, enquanto tossia e comia pevides. Quantos pretos matou por lá, tio Álvaro? Os olhos avermelhavam-se enquanto a espuma lhe cobria os cantos da boca. Estupores, gritava enquanto fugíamos pelo caminho de gravilha, estupores. Lá em baixo os cães ladravam aos gritos do homem e o fumo da chaminé lembrava-nos que o meu tio acendera as brasas para o serão.





Tarte de maçã com marmelada e vinho do Porto





Para a massa:

350g de farinha sem fermento
150g manteiga sem sal, fria
2 colheres de sopa de açucar
80-100ml de água fria
1 ovo inteiro
1 colher de chá de sal fino

Misture a farinha, o açúcar e o sal. Junte a manteiga em cubos e com as pontas dos dedos esfarele até obter uma textura granulosa. Junte 80 ml de água fria e ovo inteiro e amasse um pouco até obter uma massa homogénea. Se necessário, junte os restantes 20 ml de água. Leve ao frigorífico durante 30 minutos para repousar.


Para o Recheio

1 kg de maçãs reinetas descascadas e descaroçadas
200g de marmelada
60ml de vinho do porto
4 colheres de sopa de farinha sem fermento
2 colheres de sopa de açúcar
raspa de 1 limão
1 colher de chá de canela
1 gema de ovo + 1 colher de sopa de água para pincelar

Pré-aqueça o forno a 180º. Bata a marmelada com o vinho do porto até obter um creme liquefeito. Reserve.  Misture a farinha, com o açúcar, a canela e a raspa de limão. Reserve. Unte uma forma de aro com manteiga. Estenda 2/3 da massa e forre a forma, tendo o cuidado de deixar massa para além do limite da forma para depois enrolar. Corte as maçãs em fatias bem finas.  Disponha no fundo uma camada de maçã, depois uma de marmelada e termine polvilhando com a mistura de farinha. Repita o processo até esgotar os ingredientes. Estenda a restante massa e cubra a tarte. Pincele com a mistura de ovo e água e faça alguns golpes no topo.
Leve ao forno  até a massa estar dourada. Pode ser servida morna ou fria.

domingo, outubro 30

Anunciação

O seu maior sonho era ter uma casa por cima de uma loja de antiguidades. Daquelas que têm uma janela debruçada sobre um rio qualquer e nas quais passam estórias e conversas por entre tabaco  e livros de páginas amarelas nos cantos. E ficava a imaginá-la assim, sempre que a vestiam de virgem Maria, nos presépios vivos da terra, de olhos azuis quase verdes postos para além das tias fartas e de pernas inchadas que lhe acenavam com orgulho. És a cara da tua mãe, dizia-lhe a tia com ar desgostoso enquanto lhe fazia canudos com o frisador de pontas ferrugentas. És toda ao lado dela. Da mãe ficara-lhe apenas a vaga recordação do português arrastado pelo sotaque inglês e o sabor do lemon curd que punha nas torradas.  Sem fotografias nem uma morada para onde escrever, ficara apenas com a receita do creme de limão escrita em letra miúda e descuidada que fazia no velho fogão da casa das irmãs do pai sempre que as saudades voltavam.  Bastava-lhe isso. Isso e o sonho de ter uma casa por cima de uma loja de antiguidades.  E imaginava-lhe os cantos, ao mesmo tempo que as luzes de Natal da praça da vila se acendiam. Talvez à mesma hora que o dono da loja de antiguidades estaria a fechar as portas da loja e a pôr a mão em pala para ver o pôr do sol sobre a foz do rio.


Lemon Curd



125g de manteiga
Raspa e sumo de 3 limões ( aproximadamente 120 ml)
225g de açucar
3 gemas

Misture as gemas com o açúcar , o sumo de limão e a raspa (apenas a parte vidrada do limão)  numa tigela que possa ir ao lume em banho maria. Leve a banho maria e vá adicionando a manteiga em cubos pequenos. Mexa sempre até engrossar (este processo pderá levar cerca de 30 minutos)
Coe o creme e guarde num frasco no frigorífico ( conserva-se até duas semanas)

O lemon curd pode ser utilizado como compota ou recheio de bolos ou tartes.

quinta-feira, outubro 27

Da chuva e outros Tempos.



Os dias que chovem cá dentro serão sempre as folhas brancas avulsas compradas no quiosque do outro lado da rua. São dias de memórias aglutinadas com cheiros e vozes, onde nos sentamos de rosto colado ao vidro que nos separa do tempo e nos reconstruímos. Há uma pausa na cor que nos permite expiar nas letras aquilo que nunca foi.  As mãos esquecem-se na face de uma chávena de chocolate quente. Que o frio, esse, é apenas mais um ponto dum espaço-tempo dobrado num verso. 



Chocolate quente



 ( 2 pessoas)


2 colheres de sopa de cacau
500ml de leite
60g de chocolate de culinária
1 colher de chá de açúcar em pó
1 colher de chá de baunilha
1/2 colher de chá de café soluvel

Misture o cacau, o açucar,  o café  e o leite e leve ao lume. Quando estiver  tudo dissolvido adicione o chocolate de culinária partido em pedaços pequenos.  Deixe o chocolate derreter completamente e adicione a baunilha. Deixe ferver em lume brando durante 3 minutos. Sirva bem quente.

domingo, outubro 23

Dias Felizes

Maria Eduarda sentia permanentemente que vivia uma vida que não era a sua. Arrendara um apartamento em Campo de Ourique porque não tivera dinheiro para comprar um às Janelas Verdes. Tinha um namorado da linha de Sintra porque achava que ainda não chegara o tempo de sair com os filhos dos sócios do pai. Vestia apenas preto e branco porque ainda não descobrira a cor perfeita para o seu rosto esquálido. Tinha dedos longos e um constante enfado pelo mundo.  Enfadava-a o lugar comum da suposta felicidade das pessoas. Talvez por isso gostasse tanto de apanhar, às sextas-feiras,  o comboio no Rossio para ir jantar a casa do namorado. Os rostos da carruagem, iguais a tantos outros rostos inexpressivos faziam-na sentir que a sua roupa preta e branca se diluía no monocromatismo da vida dos outros. Descia no Cacém. A família do namorado vivia numa antiga vivenda  verde comprimida entre prédios dos anos oitenta. Ela, que fazia sempre por chegar cedo demais, talvez porque o cheiro a mofo e a madeira velha a confortassem, sentava-se ao topo da mesa da cozinha, enquanto a irmã do namorado, rapariga de seios fartos e flácidos e cabelo oleoso, se entregava com o amor que nunca tivera, à confecção de papos de anjo. Esperava com a paciência própria dos felizes pelo ponto de açúcar, enchendo a cozinha de azulejos de flores castanhas, com cheiro a canela e laranja. Quando o irmão chegava do ensaio da companhia de teatro amador, perguntava-lhe sempre se ensaiavam Beckett. O irmão, vestido de preto dizia que não, sorrindo. E ela suspirava enquanto engolia um papo de anjo ainda morno. Pena, gosto muito daquela peça dos dias felizes.


Papos d' anjo




6 gemas + 2 ovos inteiros
300g de açucar
3 dl de água
1 pau de canela
raspa de uma laranja

Pré-aqueça o forno a 180º. Bata as gemas e os ovos inteiros, na batedeira durante 15 minutos, até obter uma massa bem espumosa e leve. Deite a massa em forminhas de queque, untadas com manteiga,  e leve ao forno num tabuleiro com água quente, durante 10 minutos.
Deite o açúcar, a água, o pau de canela e a raspa de laranja num tachinho e leve ao lume até fazer ponto de pérola. Coe a calda e reserve. Desenforme os papos de anjo, pique-os com um garfo e deite a calda por cima.

Sirva-os frios.

terça-feira, outubro 18

João Paulo



O homem de rosto cheio de cicatrizes de acne, senta-se na mesa do café no momento exacto em que a vizinha de cima chega à paragem do autocarro. A vizinha de cima não é particularmente bonita. Tem um rosto vulgar e usa os olhos excessivamente pintados numa imitação ordinária das actrizes italianas da década de sessenta. Diz ele. Porque decerto que a vizinha de cima nunca viu cinema italiano da década de sessenta. Ele abre o pacote de açúcar com as pontas dos dedos. Depois limpa os óculos de massa preta com a ponta do guardanapo de papel. Fá-lo lentamente por causa das dores nas articulações dos dedos. Ela ainda não o viu, ou finge que não o vê enquanto procura qualquer coisa na mala. E conclui que a vizinha de cima afinal tem um ar ordinário. Tão ordinário como a poesia que ela insiste em dar-lhe para ler. Leva uma vez por semana, um ou dois poemas manuscritos numa letra infantil, juntamente com um bolo de maçã, que ele tem de ensopar em brandy de qualidade para o conseguir comer. Poemas encharcados em rimas e exclamações. Ele odeia pontos de exclamação. Mais do que as rimas. Gosta sim, de metáforas únicas. Mas as mulheres que escrevem esse tipo de poesia, não têm um ar ordinário e enojam-se com o seu rosto cheio de cicatrizes de acne. E com a saliva que ele acumula nos cantos da boca quando se enerva. E ele enerva-se sempre que está com mulheres que não têm ar ordinário e que escrevem poesia sem rimas. Ela agora olha-o e sorri devagarinho. Ele também sorri. Com sorte ela hoje bate-lhe à porta com um bolo de maçã e dois ou três poemas. Os poemas, esses irá fingi-los esquecidos na mesa da entrada. Quanto à vizinha de cima e ao bolo, talvez bem ensopados em brandy se consigam comer.


Bolo de maçã com molho de brandy



125g de manteiga sem sal
150 g de açúcar amarelo
150 g de farinha sem fermento
3 ovos grandes
1 colher de chá de fermento
3 maçãs golden

Para o molho de brandy
50 g de manteiga
100 g de açúcar
60ml de natas
40 ml de brandy

Pré-aqueça o forno a 190º. Corte as maçãs em fatias finas e reserve.Bata a manteiga com o açúcar durante 10 minutos. Junte os ovos inteiros, um a um. Peneire a farinha e o fermento e envolva cuidadosamente. Deite numa forma de bolo inglês e por cima coloque as fatias de maçã. Leve ao forno até ficar dourado e espetando um palito este saia seco.

Molho de brandy

Leve ao lume a manteiga com o açúcar até obter um caramelo dourado. Retire do lume e junte as natas e metade do brandy. Leve de novo ao lume durante 1-2 minutos. Junte o brandy restante

Sirva o bolo em fatias, regadas com o molho.

sexta-feira, outubro 14

Instante

Há dias em que as pessoas que cruzam a rua não têm rosto. Surgem por detrás do fumo de tabaco dos cigarros que não fumo, em passo lento. O autocarro chega à paragem de sempre e elas descem. A rua, ao fundo, desenha-se vazia. Há uma rapariga de rosto tão transparente como os outros que pára na montra, olhando para o seu reflexo. O vestido de tecido ordinário revela o corpo atarracado. Os olhos grandes, sem maquilhagem ficam colados ao vidro da montra. Há um homem de fato excessivamente largo que passa por detrás. O pedinte senta-se no alpendre enquanto afaga o cão de pêlo curto e ralo. Há uma criança de mão dada a uma mulher de cabeça glabra coberta por um lenço. A criança ganha um rosto enquanto come as bolachas que se esboroam na calçada. A mulher de lenço baixa os olhos enquanto afasta com a biqueira do sapato as migalhas de chocolate. Isso faz-te mal aos dentes. A criança sacode as migalhas de chocolate do canto da boca. Do outro lado da rua o homem de fato largo atende o telemóvel enquanto os seus olhos se tornam pequenos e verdes. A rapariga do vestido ordinário ajeita o cabelo pintado de louro. Há dias em que as cores correm num tempo diferente das vidas. Há dias em que a estória é apenas o papel atrás dos meus olhos.



Bolachas de chocolate com morangos secos






100g de chocolate em barra
150g de manteiga
60g de cacau em pó
200g de açúcar
2 ovos
1 colher chá de baunilha
225g de farinha sem fermento
1 colher de chá de fermento em pó
1/2 colher de chá de sal fino
200g de morangos secos



Derreta o chocolate com a manteiga em banho maria e deixe arrefecer. Entretanto misture o cacau com o açúcar e adicione, batendo bem os ovos, um a um. Adicione de seguida a baunilha e a mistura de chocolate e manteiga. Depois junte  farinha, onde previamente misturou o fermento e o sal. Adicione os morangos finamente picados. Faça um rolo com a massa, embrulhe em película aderente e leve ao frigorífico durante pelo menos uma hora. Corte o rolo em fatias de cerca 0,5cm e leve ao forno previamente aquecido a 200º durante 10-15 minutos.

segunda-feira, outubro 10

Dos cheiros

Todas as sextas depois do ensaio, segue-lhe o rasto a lúcia-lima. Atravessa o auditório vazio, onde o cheiro repousa, leve, sobre o veludo vermelho das cadeiras, até ao átrio de mármore branco. Pára por um momento, respirando-o. Havia uma sebe de lúcia-lima junto ao portão. Da janela da sala, enquanto repetia os exercícios com os dedos doridos, via a mãe apanhando as folhas para o chá. O metrónomo marcava-lhe o tempo. A mãe punha a mão em pala para olhar o tempo que viria amanhã. O tempo no metrónomo. O cheiro da lúcia-lima atravessa a estrada de blocos de granito. Pára no átrio do teatro, vendo as pessoas sem rosto descendo a rua. E o cheiro cresce até à porta do café. A mãe deixava-lhe, em cima do piano, a chávena com a infusão ainda fumegante e uma fatia de bolo de chocolate. Ele estalava os dedos doridos e olhava o portão semi-aberto. A dona do café, sem perfume, deixa-lhe a chávena de chá na mesa de sempre. Há um vulto na porta da cozinha e ele pressente-lhe o cheiro. Pede uma fatia de bolo enquanto aquece as mãos na chávena quente. Cerra os olhos ao ouvir-lhe os passos. O cheiro debruça-se sobre ele. Respira-a enquanto o portão semi-aberto bate com o vento. Ela sussurra-lhe alguma coisa, mas ele não abre os olhos. Prefere amar-lhe o cheiro com o qual lhe desenha a linha do corpo e a cor dos olhos. O cheiro afasta-se. Ele saboreia um pedaço de bolo de chocolate enquanto lhe molda o sabor da pele na boca. O portão bate de novo enquanto a sebe de lúcia-lima se agita com o vento. O metrónomo retoma a toada do tempo e o vulto feito de cheiro desaparece na porta da cozinha.


Bolo de chocolate



Ingredientes:

6 ovos
75g de açúcar
75g de manteiga
80g de farinha
200 g de chocolate em barra

Para a cobertura
100 g de chocolate em barra
60ml de natas


Derreta em banho maria o chocolate com a manteiga. Bata as gemas com o açúcar  e junte à mistura de chocolate. Bata as claras em castelo e adicione juntamente com a farinha, à mistura anterior, envolvendo cuidadosamente. Leve  a forno pré aquecido a 180º durante cerca de 20 minutos

Derreta o chocolate com as natas e deite sobre o bolo de chocolate.

sexta-feira, outubro 7

Perséfone

A mulher de cabelo encaracolado liga o rádio. Para apagar da sua frente a fila interminável de carros. Para deixar de ouvir as vozes dos filhos no banco de trás. Para fingir que ouve as noticias que já conhece. Pousa o cotovelo na janela aberta carro. Uma voz do banco de trás. Mãe. Ignora . A fila de carros preto e cinzentos funde-se no ponto de fuga da estrada. Mãe. Há quem buzine. Ela aumenta o som do rádio. Há uma carrinha pintada de verde vidro com cortinados nas janelas, três carros à frente. Quase-sorri.  Pensava que já ninguém tinha carrinhas dessas. Senta-se no alpendre da casa dos avós. Há uma latada por cima do poço e duas cadeiras de baloiço onde os avós esperam o tempo. As vozes dos primos sobrepõem-se às buzinas. Há planos e vontade. Um verão à deriva. Mãe. O tom de voz monocórdico. Sim? O carro avança uns metros. E aquele cansaço. Havia uma romanzeira. Não comas as bagas dizia-lhe a prima que usara tranças até depois dos vinte. Que ficas presa metade da tua vida ao inverno. Todos nós preferimos o inverno onde somos iguais aos outros. Há risos que se fundem com o choro fininho do banco de trás. Buzinam de novo e ela lembra-se da roupa para passar, das contas, das notícias que a aborrecem. Mãe. A impaciência cresce. Buzina também. A carrinha verde avança. Os carros atrás não. Ficam parados no mesmo sitio. Mãe. Mas o que foi? A voz que choraminga. Não comas as romãs. O cheiro morno do Verão e o cabelo alisado à força pelo ferro de engomar. E o cesto da roupa. As contas. Buzina, e pragueja. Mãe. Perdeu a carrinha verde de vista. Não comas as bagas.


Panna cotta com molho de romã



Ingredientes ( para 4)
200ml natas
250ml de leite
4 folhas de gelatina
75g de açúcar
1 vagem de baunilha

Molho de romã
2 romãs maduras
½ chávena de açúcar
½  chávena de água
½ colher de chá de raspa de lima

Hidrate as folhas de gelatina em água fria. Leve as natas com o leite, o açúcar e as sementes de baunilha (abra a vagem longitudinalmente e raspe as sementes com a ponta de uma faca) ao lume até levantar fervura. Retire do lume e deixe por 20 minutos em infusão. Adicione as folhas de gelatina e deite em ramequins. Leve ao frigorífico até solidificarem.
Leve o açúcar, a água e a raspa de lima ao lume até fazer ponto de pérola. Deixe arrefecer compactamente e junte o sumo das duas romãs. Leve a lume muito brando até ficar com consistência de um xarope leve. Sirva por cima dos panna cotta desenformados.

segunda-feira, outubro 3

O senhor Gregório

Todas as quintas, o senhor Gregório jantava lá em casa. Cecília, sabia que era dia de torta de laranja, a preferida do pai. Mas a mãe, às quintas, derretia metade de uma barra de sucedâneo de chocolate, que sabia a alfarroba, para dentro da molheira lascada na borda. O que fazia as delícias do senhor Gregório, que sorria deleitado para a mãe, enquanto o Gregoriozinho, seu afilhado lhe ensopava a fatia de torta com o suposto molho de chocolate. O senhor Gregório pegava na colher deixando os botões de punho de ouro espreitarem por debaixo das mangas do casaco que nunca tirava. Um belo par de botões comprados com o lucro da funerária. O pai deixara-lhe uma drogaria, mas o envelhecimento da vila e a sagacidade para o negócio tinham-no levado a mudar de ramo. O senhor Gregório era um homem sério, de sorriso discreto e olhos de um azul aguado sobrenatural. O seu carácter era tão irrepreensível quanto os fatos de risca de giz que vestia todos os dias. Mesmo às quintas-feiras à noite. Quando a campainha tocava, o pai que estava sempre sentado no sofá do canto fingindo que procurava emprego no jornal, erguia os olhos e dizia com a mesma indolência com que se movia por entre as divisões da casa. Júlia, vai ver quem é. Júlia, a mãe, sabia quem era. E por isso tirava rapidamente o avental e ajeitava o cabelo curto no espelho da entrada. Chama o Gregoriozinho porque o padrinho chegou, ordenava com ar ansioso. Cecília chamava então o irmão, que descia ruidosamente as escadas rebolando os olhos azuis aguados. E  perguntava-se mais uma vez, enquanto o senhor Gregório sorvia a torta em silêncio, porque razão o irmão teria uns olhos iguais aos do padrinho.



Duo de laranja e chocolate



Para a base de laranja:
6 ovos
200g de açúcar
200ml sumo laranja
raspa de duas laranjas
1 colher de sopa de maisena

Misture os ovos com o açucar, junte a raspa  de laranja e a maisena diluída no sumo de laranja. Deite numa forma de aro, redonda, untada com manteiga e forrada com papel vegetal. Leve a forno pré-aquecido a 160º, durante 35 minutos. Deixe arrefecer completamente sem desenformar.


Para o creme de chocolate
200g de chocolate ( 70% cacau ou mais)
100g manteiga
100g açúcar
4 ovos
5 folhas de gelatina

Derreta o chocolate com a manteiga em banho Maria. Junte a esta mistura as folhas de gelatina previamente demolhadas em água fria e mexa até dissolver totalmente. Bata as gemas com o açúcar até obter um creme bem espumoso e junte ao preparado anterior. Bata as claras em castelo bem firme e envolva-as cuidadosamente no creme de ovos e chocolate. 
Deite o creme por cima da base de laranja e leve ao frigorífico durante umas seis horas. Desenforme cuidadosamente, retirando o aro da forma.





sexta-feira, setembro 30

Just breathe



Baixas os olhos sempre que te cruzas com o sem abrigo que dorme ao lado da porta do teu prédio. Finges que olhas os teus sapatos que imitam os de marca que não tens dinheiro para comprar. Mas não olhas, apesar de saberes que antes de atravessares a rua ele te vai dizer bom dia. Bom dia, menina. Parece velho porque a vida dele se escoa debaixo daquele telheiro ao dobro da velocidade da tua. Pensas que lhe podes dar a caixa de madeira com pêras que os primos, que desejarias afastados, te trouxeram da terra. E imaginas-te, enquanto olhas para a biqueira de fancaria dos teus sapatos, nesse gesto de generosidade tão artificial quanto a imagem que vestes ao espelho todos os dias. Bom dia, diz-te ele ao fim dos dois minutos de semáforo. O verde para os peões não cai e ele fica ali, dobrando as caixas de cartão. Tens uma amiga que distribui cafés e mantas pelo Natal a pessoas como ele.  Lembras-te de novo da caixa de peras. O dono do café da frente faz-lhe um sinal. Costuma dar-lhe o pequeno-almoço. O sinal verde cai e ele atravessa a rua atrás de ti. Colado à tua sombra. Que a esta hora da amanhã as sombras são mais longas e deformadas. Levantas o olhar para o ver entrar no café. Podias dar-lhe as pêras. Mas hoje tens um jantar com amigos que são apenas mais uma réplica daquilo que pensas ser. Talvez faças uns crepes, dizes para ti, antes de entrar para a estação de metro.

“And life’s like an  hourglass, glued to the table” *

* Anna Nalick





Crepes de pêra e vinho do porto





4 crepes bem finos 
4 pêras Williams ou Morettini
4 colheres de sopa de açúcar
2 colheres sopa de manteiga sem sal
50 ml de vinho do porto


Corte as peras em gomos finos e reserve (poderá adicionar umas gotas de limão para não escurecerem) Leve o açúcar e a manteiga ao lume numa frigideira até caramelizar ligeiramente. Retire do lume e junte o vinho do porto. Leve ao lume de novo até o caramelo ficar dourado escuro. Junte as peras e deixe cozinhar durante 1-2 minutos, consoante a espessura dos gomos. Recheie os crepes com este molho e dobre-os em leque.