quinta-feira, setembro 27

Impaciência


Nunca lia os livros até ao fim porque lhe impacientava a espera medida em construção de personagens e figuras de estilo. Também não gostava de chocolate, só do branco, mas esse não é chocolate, diziam. Nem de chuva, que os dias cinzentos demoram mais a passar e os dias sem claridade são apenas horas soturnas de espera. Como o excesso de letras antes do desfecho do  livro. Mas a chuva é precisa. Seja, então que chova de noite.

Mousse de chocolate branco com menta e framboesas



200g de chocolate branco
250 g de queijo mascarpone
250 de framboesas
40 ml de água
2 gemas+ 3 claras
1 colher de açúcar em pó
1 colher de chá de extracto de menta

Derreta o chocolate branco com água, no microondas, durante 1 minuto, até obter uma mistura muito cremosa. Bata o queijo mascarpone com as gemas e junte o chocolate. Junte também o extracto de menta.  Bata as claras em castelo com a colher de sopa de açúcar e adicione à mistura anterior. Coloque framboesas no fundo de tacinhas e cubra com a mousse. Leve ao frio.


 ( Receita Youcook. A menta foi acrescento da confeitaria. A ser adicionada no fim da mistura antes de levar ao frio)

segunda-feira, setembro 24

Otoño Porteño



Soube que iria morrer na primeira terça- feira de Outubro, enquanto molhava  o pão no café com leite.  Ficou-lhe a seguir ao aperto do peito uma impressão na garganta. Abriu o colarinho  e pensou que depois de passar na farmácia para comprar aspirinas, teria de comprar uns sapatos de verniz. E aprender a dançar. Comprou uns sapatos um número acima, que dizem que o corpo alarga depois de morto e um livro de danças de salão. Com um bocado de giz branco desenhou as marcas dos pés no cimento do logradouro. Limpou o pó das ripas de madeira de um velho rádio gira-discos que tirara do contentor mesmo antes de passar o carro do lixo e pôs um dos discos que uma vizinha lhe dera. Uma mulher com rosto de criança, que vivera muitos anos em Buenos Aires. Pintava os olhos de azul e não assentava os calcanhares no chão. Dera-lhe um disco e um bolo de chocolate e caramelo no dia em que ele  escolhera para fazer anos. Chamava-lhe Nonino. Calçou os sapatos de verniz , colocou a agulha no disco, e pisou as pegadas mal desenhadas no chão. Uma vez, e um gato veio até ao parapeito do terceiro andar. Duas vezes e veio atrás a dona do gato. Três vezes e talvez se tenha aberto outra janela. E o aperto no peito. Adios Nonino, dizia ela antes de lhe beijar a testa. O giz comido pelos pés que se agilizavam com o ritmo.  Pareceu-lhe que as folhas amareleciam ao quarto tempo da música. Uma das mãos sobre o peito, a outra esquecida no fim do braço esticado.  E à terceira dor no peito, ao mesmo tempo do acordeão, pensou ver as folhas amarelas taparem o cimento do chão. Dizem, as mulheres que o vestiram para o enterro, que os sapatos de verniz não lhe saíram dos pés.

Cheesecake de chocolate com molho de caramelo



200 g de bolachas de chocolate
50 g de manteiga derretida
400g de queijo creme
200 ml de natas
200g de chocolate
5 folhas de gelatina
100g de açúcar
3 claras
1 colher de chá de baunilha

Triture as bolachas com a manteiga e deite a mistura no fundo de uma forma de aro. Calque bem. Demolhe as folhas de gelatina. Bata o queijo creme  com o açúcar e baunilha. Derreta o  chocolate com as natas. Escorra as folhas de gelatina e leve-as as ao microondas  por 10 minutos. Junte à mistura de chocolate e natas ainda quente depois misture bem com o queijo creme. Bata as claras em castelo e junte à mistura anterior e leve ao frio durante pelo menos 6 horas.
Para o caramelo
200g de açúcar
100ml de água
50g de manteiga
200ml de natas
Leve ao lume num tachinho o açúcar, água e a manteiga e deixe fazer ponto de caramelo. Retire do lume e junte as natas. Leve novamente a lume muito brando durante 5 minutos.
Desenforme o cheesecake e sirva com o molho de caramelo.


quarta-feira, setembro 19

Caramelo


Naquela rua, de casas todas iguais, havia uma confeitaria. De manhã, as  mulheres depois de estenderem as colchas de tricot por entre os vasos de sardinheiras, deixavam-se estar, debruçadas sobre o parapeito, esperando o abrir das portas. O homem vinha, abria as portas de vidro cinzelado, prendia-as com dois blocos de calçada e dizia bom dia para o vazio da rua. O cheiro pastoso do chocolate varria a calçada deixando-a brilhante e escorregadia. Havia quem dissesse que eram os plátanos quem a deixavam assim, mas essas eram as velhas de antes da confeitaria. Depois, as horas da manhã mediam-se nos cartuchos de papel , cheios de chocolates, que saiam da loja pelas mãos das mulheres. Só  a recém chegada, a que morava no ultimo andar do prédio vazio, nunca lá entrava. As mulheres recolhiam as colchas mornas pelo o sol e comentavam. É estranha.  A recém chegada, que ninguém sabia o nome, parava dois instantes em frente da porta de vidro cinzelado. Com um dedo fazia um gesto de náusea pelo cheiro morno do chocolate e as outras, recolhiam para dentro de casa. É estranha. Um dia o homem veio à porta e deu-lhe os bons dias. Todas se debruçaram sobre os parapeitos, de sobrolho franzido. Estendeu-lhe um cartucho de chocolates. Ela olhou-o com a limpidez cor de mel de uns olhos que nunca ninguém vira. E roçando-lhe o ouvido com tepidez da confissão, disse-lhe: Só gosto de caramelos.

Mousse de Caramelo



200 g de açúcar + 2 colheres de sopa
100ml  de água
200ml de natas
4 ovos
4 folhas de gelatina
1 pitada de sal
1 colher de chá de baunilha

Ponha as folhas de gelatina de molho em água fria. Leve o açúcar com a água ao lume até fazer ponto de caramelo ( que de ser forte sem queimar). Retire do lume e junte as natas. Leve de novo a lume brando durante 5 minutos.  Retire do lume, deixe arrefecer um pouco e junte as gemas batidas,  a gelatina, o sal e a baunilha. Bata as claras em castelo bem firme com o açúcar e adicione cuidadosamente. Leve ao frio durante umas horas.

segunda-feira, setembro 17

Azul


O homem está sentado na soleira da porta, no banco de pedra alisada pelo cansaço e esboroada nos cantos pelo tempo. Está sentado e olha a curva da rua que se esvanece entre duas casas mais velhas que ele. A curva de alcatrão desbotado já estava desde o seu tempo de criança.Repousa o queixo salpicado pelo áspero da barba branca no cajado retorcido. Olha a curva. Não sopra vento, nem o vento quente das tardes de Junho. E espera, sentado no banco talhado na parede caiada. Os olhos baixam-se nas botas que pisam as manchas de pó azul.  Corta um pêssego e leva a lamina do canivete pingando até à boca. As sombras engolem lentamente quente da poeira dos caminhos. Os cheiros azulados da noite começam  a descer nas paredes caiadas. Os olhos pousam de novo no caminho. Semicerram-se e o velho escuta o som seco dos passos do filho, afastando-se na curva de alcatrão. De costas vergadas sob o peso do saco de lona azul desbotado de esperança. Dobrou a curva sem se voltar, para que os olhos do velho, resguardados pelos mãos calejadas em pala, não vissem as lágrimas envergonhadas que pingavam no rosto. As mãos do velho estão de novo em pala. Mas a curva só lhe trás sombras que crescem. E o rosto do filho da primeira vez que regressou. Soberbo na sua farda de alferes, de arma a tiracolo e livro vermelho debaixo do braço.  O filho quis que os homens da aldeia escutassem o que a cidade grande lhe tinha ensinado. E quis que escutassem a boa nova, por entre os copos de tinto que lhes pagou na taberna. E eles escutaram. O filho quis que eles se revoltassem. E eles revoltaram-se. Ensinou-lhes uma palavra nova: igualdade. Que eles repetiram em voz alta. Depois regressou à cidade grande com o saco azul desbotado cheio de promessas de regresso e a arma a tiracolo. E não regressou mais. Até àquela tarde. Que o velho vê crescer com a mesma lentidão com que a saudade se impregnou nas paredes caiadas. Cospe o caraço do pêssego para o chão, e tira o velho relógio de pulso do bolso da camisa preta. O tempo é pastoso na espera, mas ele sabe que está quase.  O cheiro da ervas secas escorre por entre as sombras empoeiradas de azul e branco. O som do carro que se aproxima. O velho levanta-se. As pernas tremem de saudade e de velhice. A mão em pala. O resto de sol que ainda lhe arde no corpo vestido de negro. O som mais próximo. O vulto do  carro azul arranhando o alcatrão gasto. O sorriso rasga-se nas rugas curtidas pelo sol. O carro pára e o filho sai.  O tempo retoma a sua toada no imenso instante do abraço. O filho estende-lhe o saco já quase sem cor, sem pretéritos nem propósitos. A noite escorre por debaixo dos passos. A nova vida já não cabe num saco de lona.
Deserto do Mundo, Maio de 2009

Tartes de Pessego com molho de amêndoa amarga


Massa:

300g de farinha
200g de manteiga
100g de açúcar em pó 
1 ovo
pitada de sal

Bata o açúcar com a manteiga, junte a farinha e o ovo. Guarde a massa no frio durante pelo menos 30 minutos. Depois, estende-a e forre formas de tarte. Leve-as de novo ao frio por 15 minutos. Pique-as e leve-as ao forno pré-aquecido a 180º durante 15 minutos. Reserve.

Recheio:

8 pêssegos
3 colheres de sopa de açúcar
1 cravinho

Descasque e fatie os pêssegos. Saltei-os com o cravinho e o açucar numa frigideira. Reserve.


Streusel

8 colheres de sopa de amêndoa moida
2 colheres de sopa de manteiga
2 colheres de sopa de açucar

Misture tudo e leve ao frio. Reserve.

Molho

4 gemas
200 ml de natas frescas
70g de açúcar
30 ml de licor de amêndoa amarga


Bata as gemas com o açúcar. Leve as natas ao lume sem deixar levantar fervura. Adicione lentamente às gemas para não talhar, e junte o licor. Leve novamente ao lume até engrossar, tendo o cuidado de  não ferver.


Coloque os pêssegos dentro das tartes e esfarele o streusel. Leve de novo ao forno até dourar. Sirva frias com o molho.








88.

domingo, setembro 16

História


Hoje a história construiu-se ontem. Lá fora, para além de todas as janelas. Hoje a história da confeitaria é vossa, caminhada na rua no plural de uma vontade.




segunda-feira, setembro 10

Currais


O comboio corre na linha do mar. Cerras os olhos e abandonas a cabeça por entre as mãos. Não há silêncio recortado pelo som dos cagarros, o cheiro a mar dilui-se no tabaco que paira junto ao vidro das janelas.  Há uma mulher que se senta à tua frente, uma mulher velha que não veste preto, nem traz um terço entre os dedos curtidos pelo sal . Os mesmos que já levaram uma conta na festa do Espírito Santo. No tempo em que todos os dedos eram longo, tão longos que à noite quase tocavam nas luzes do Faial. Cerras os olhos. A tua mãe que reza, Pai nosso que estais no céu. O cinzento do céu que escorre  no basalto preto. Lá em baixo, para além dos currais, o mar encrespado bebe-te o ar.  Alarga-te a distância. Seja feita a tua vontade, aqui terra como no céu. As videiras sob a maresia. O sino que toca. Corres para o moroiço que dá para os currais. Sentas-te com a cabeça presa entre as mãos. Tal como agora. Respiras. O ar é viscoso e sabe a sal. A chuva esmorece por entre os poros negros da pedra. Perdoai-nos as nossas ofensas. Os passos do padre na bagacina, abafam os sinos que tocam. A tua mãe chora. Escorre-lhe o verde dos olhos, para o preto do fato. Beija a cruz.  Ergues o rosto. A velha sentada à tua frente, que afinal não é uma velha, levanta-se antes do abrandar do comboio. Mas livrai-nos do mal. A voz embaçada da tua mãe, no aeroporto. A voz da ilha que ficou para trás. Seja feita a tua vontade, filho. Amém.

Deserto do Mundo,  24/05/2010


Entre amigos lembrei-me dos Açores. A receita foi repartida entre eles.



Mini Cheesecakes



Para 8

100 g de bolacha maria
50 g amêndoa moída
50 g de manteiga
200g de queijo creme
200ml de natas
1 ovo  inteiro + 1 gema
75 g de açucar em pó
1 vagem de baunilha

200g de framboesas
60 g de açucar

Numa picadora ou robot de cozinha coloque as bolachas maria e triture, junte a amêndoa e manteiga derretida e misture tudo muito bem. Coloque porções desta mistura no fundo de caixinhas de papel para queques e calque.
Misture o queijo com as sementes raspadas da vagem de baunilha e o açúcar. Junte as natas e os ovos. Deite porções em cada uma das caixinhas  e leve ao forno pré-aquecido a 150º durante 20 minutos
À parte leve as framboesas com o açúcar a ferver durante 10 minutos. Triture e se desejar coe a compota. Deite por cima dos cheesecakes depois de frios.

Receita adaptada de Bill Granger.




quarta-feira, setembro 5

Trinta e nove


Guardava um par de sapatos de cetim debaixo da cama. Comprara-os um número abaixo, igual aos anos que tinha, na esperança  que lhe escondesse o tamanho dos pés. Todos os dias dobrava o corpo excessivamente esguio e seco e abria as dobras de papel de seda. Depois guardava-os de novo debaixo da cama, mesmo ao lado da imagem do santo António embrulhado num pano de enxoval.  É uma boda de quantas dúzias? Perguntava antes de tirar os ovos do cesto. A cozinha só tinha uma réstia de luz que entrava por entre a cortina da porta do quintal até morrer nos azulejos de losangos amarelos e castanhos. São para a filha do juiz. Então sete. Sete dúzias, que o sete dá sorte e assim fazem bonito, caem em cascata. Ficam ricos com umas pérolas de açúcar, que são para a filha do juiz. Os sapatos a perderem o brilho cetim debaixo da cama, enquanto o funil de cinco bicos gira em cima da calda. O corpo a secar, por fora e por dentro, no tempo de uma escumadeira. Fá-los finos, que são para a filha do juiz. O funil a girar por dentro do tacho de cobre. Lá fora as mulheres a passar com as flores e os cestos de arroz. Mais uma meada de fios. Tudo o que queria, o que podia querer, era uma boda assim. Mas o corpo crescera para além do atarracado dos homens que não acabavam a escola. Mais uma meada. Sete dúzias são oitenta e quatro. O  santo António que mofava debaixo da cama havia de lhe trazer um homem que lhe aconchegasse o corpo seco. Deita mais água na calda, que seca. E o corpo também. A última meada. Guardava também o colar de pérolas falsas que a mãe usara no casamento. Os dedos vazios de aliança a salpicarem os fios com as pérolas de açúcar. Que lindos ficaram. E o corpo secou-se mais um pouco. Talvez a próxima, talvez a próxima, meu rico santo António, seja a minha.


Fios de ovos




12 gemas + 2 ovos inteiros
500g de açúcar
250 ml de água

Desfaça as gemas com os ovos, e passe-as duas vezes por um passador de rede. Leve o açúcar com água num tacho grande ao lume até fazer ponto de pérola fraco. Encha um passador de bicos e vá deitando a mistura de gemas em fios na calda, fazendo movimentos rápidos e circulares. Retire as meadas com uma escumadeira. Repita o processo até esgotar as gemas. Vá adicionando água à calda sempre que vir que esta fica muito espessa. No fim separe os fios com um garfo e regue com a calda restante.

Adaptado de :  Maria de Lurdes Modesto, Cozinha Tradicional Portuguesa

terça-feira, setembro 4

Porque escreves? ( Um ano de confeitaria)


Porque escreves? Porque  houve um tempo, um tempo de olhos grandes perante um mundo imenso, em que o som das palavras me assustava. E por isso tive de aprender a falar com as mãos no silêncio do meu quarto. Cheio de folhas em branco, que podiam ser cinco, seis, vinte, que também eram as mesmas vezes que as paredes cor de rosa, que eu nunca gostei de rosa,  se desdobravam para um mundo sobre o qual eu debruçava a minha sofreguidão.  Porque escreves? Porque nunca soube falar, porque aprendi a escrever em voz alta para que a estranheza do som das palavras que sempre amei, não me deixassem arranhões de medo.  Porque foi a juntar as palavras que construi a jangada que me manteve sempre à tona de uma vida que nem sempre quis minha, a mesma jangada que me fez transpor o tempo.  Porque não sei falar de mim, mas só dos outros que tantas vezes descubro que não são outros. Porque nelas, as palavras, as minhas palavras, largo o lastro das vidas que habitam no correr dos dias e que só se tornam histórias depois de se coarem pelos meus dedos. Porque escreves? Porque  corro atrás delas, das palavras, e um dia quando lhes tocar talvez ainda me alcance a mim.

Hoje a confeitaria faz um ano. Não costumo falar de mim, não o faço por norma. Mas hoje as portas desta casa, as mesmas por onde ao longo do ano que passou,  todos vós deixaram o vosso carinho em forma de leitura, estão escancaradas. Para responder à pergunta que tantas vezes me fazem e que tantas vezes me emudece. Bem hajam!


Arroz Doce Queimado



( Esta história de comer é uma variação da primeira que aqui publiquei)


Depois do arroz doce totalmente arrefecido, polvilhe com açúcar e queime com um maçarico.

Inspiração daqui