Chegam todos os dias à mesma hora. Como se o tempo se perpetuasse com o cumprir das horas. Sentam-se, de casacos vestidos em roda da mesa. Falam de coisas passadas e daqueles já morreram. A morte bebe café com eles e eles consentem, sabendo-a ali, por cima dos seus ombros curvados pelas artrites. Falam dela como se a desafiassem. Ela ignora-os, na sua espera vazia de credos e religiões. Há sempre um deles que se queixa do frio. Outro da ausência dos filhos. Ambas doem no corpo. Há dias que se mantêm ali, calados, olhando a senescência das folhas, à qual já chamaram Outono. São os dias em que contam menos um entre eles. A rapariga do café sabe que nesses dias os cafés do costume não são suficientes e traz-lhe pequenas tigelas com doce de ovos. Que com a idade os velhos ficam gulosos. Fica ali, vendo-os comer em colheradas pequeninas, com medo das nódoas, pensado que cada vez traz menos tigelas de barro. E aos lamentos de gripes e dores nos ossos responde com a impaciência de quem ainda acredita que o tempo não termina. Isso passa quando os dias quentes chegarem.
Doce de ovos com laranja e canela
10 gemas
250g de açúcar
200ml de água
Raspa de 1 laranja
2 paus de canela
Leve o açúcar, a água, a raspa de laranja e a canela a lume brando até fazer ponto de fio. Retire do lume e coe por um passador. Junte as gemas desfeitas e leve de novo a lume muito brando até engrossar. Sirva frio em tacinhas .
14 comentários:
Um conto perfeito, com a morte a rondar.
E um doce que me põe a salivar só de o olhar...
Beijo.
É bem verdade quando dizemos que uma imagem vale mais que mil palavras! Esta põe imediatamente as glandulas salivares em em ação!
Bjinhos
hm, que só me apetece enfiar um dedo nesse doce :D
Um doce que me traz boas memorias e a que nunca resisto...
beijinhos e....UM BOM ANO!!
Gostei do conto: "A morte bebe café com eles e eles consentem, sabendo-a ali, por cima dos seus ombros curvados pelas artrites. Falam dela como se a desafiassem. Ela ignora-os, na sua espera vazia de credos e religiões."
Muito bom!
Um aperto no estômago. Foi o que senti ao ler este conto. Mas gosto de estórias que me provocam essa sensação :) Belíssima, mais uma vez. Acredito que o doce de ovos os tenha consolado. Que, por uns momentos, tenha atenuado a ideia de morte.
Um beijo,
Ilídia
E não é que passa mesmo?!
E venha uma tigelada dessas de doce de ovos... dessas que aquecem mesmo a alma!
Tem um grande grande 2012
Belíssimo. O conto e a receita.
Bom Ano.
Com muitas palavras e doces.
Tudo pelo melhor
mesmo neste Inverno prolongado
Que em 2012 possas concretizar muitos dos teus projectos e que ele venha bem menos farrusco do que o pintam.
Um grande abraço!
Também desejo um ano 2012 o melhor que for possível, Ouvi dizer que o deste ano por falta de recursos será um ano já usado, talvez um ano tipo 1930
um bj
Man, que deve ser divinal (o colesterol é que deve bater recordes!) :)
Cristina,
Concordo com a Ilidia, depois de ler os teus textos ficamos sempre a pensar.Cada estöria, cada personagem, tudo acompanhado de magnificas receitas.
Votos para que este ano te traga muito sucesso e amor.
bjs
O conto é belíssimo! A receita, proibitiva. Por que a vida é assim?
Beijocas!
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