quinta-feira, julho 4
Ouro de Viana
Quando noivou, a madrinha que era de Cardielos, deu-lhe um par de arrecadas, uma soga e três moedas de ouro furadas. Que já não te acode a tua mãe, tenho eu de olhar por de ti, merecias melhor com esses olhos azuis de gente de porte, mas o rapaz é trabalhador, pelo menos tem as mãos limpas de terra, que não é vergonha nenhuma, mas a gente sabe que é melhor assim. Guardou-as, às arrecadas, à soga e às três moedas furadas, numa caixa de madeira de cheiro, que o noivo lhe mandou do Brasil, prometendo-lhe que casavam no verão seguinte, que era sempre o seguinte. E por isso quando já os verões se deixaram de contar numa só mão, começou a derreter o ouro na vela, a mesma com que pedia à Senhora que ele voltasse. Com o ouro mando fazer as nossas alianças, escreveu-lhe sem nunca ter resposta. A soga vendeu-a, só este cordão dava- lhe cinco anéis, disse-lhe o ourives, um por cada ano de espera, que depressa se multiplicaram pelas três moedas. Tenho de cuidar de ti, que não te acode a tua mãe, uma arrecada sobre a vela, as cartas que iam sem volta, outra arrecada, os olhos azuis a morrerem na espera, uma moeda, a mãe lá fora a chamá-la quando ainda era pequena, duas, e antes da terceira moeda, a irmã de quem ninguém conhecia a cor dos olhos entrou no quarto, e debruçando-se sobre ela, sussurrou-lhe, cheiras a flores de vestido de boda. Limpou-lhe a lágrima que nunca caía, pegou na última moeda ainda presa na ponta de uma fita, pendurou-lha no pescoço e disse-lhe, não vale o azul dos teus olhos, algo tão sem cor como é a espera.
Hoje a estória é só de ler. Uma estória escrita para exposição Bolota 1/4 adiante que tentou contar com palavras o contributo da joalheira Liliana Alves.
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4 comentários:
uma espera de alguém que não vale o desespero de espera numa esperança que tarda em morrer.
Que bonito... ainda bem que regressaste, já tinha saudades de te ler :)
que texto espectacular.. :)
beijinhos
Que bom poder voltar a ler-te.
Bom regresso.
Um bj
Guida
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