quinta-feira, novembro 3

1983

As mulheres, a minha mãe e a irmã, ficavam na cozinha debruçadas sobre as páginas brilhantes da revista de costura. Lá fora o Outono de Novembro descia sobre as hortas. O Outono da revista era feito de crianças louras que levavam cones gigantescos nas mãos. O outro, o meu, estendia-se até às encostas cobertas de árvores que nesse tempo me pareciam todas iguais, onde as crianças eram morenas e vestiam camisolas de losangos com borboto e cotoveleiras de bombazina. A minha tia afastava as tigelas de marmelada para o parapeito cheio de frascos de erva-cidreira e cactos raquíticos, para poder estender as folhas pardas de múltiplas linhas em cima da mesa da cozinha. A luz oblíqua descia sobre os cães deitados na gravilha do caminho. Do sótão descia o cheiro forte das maçãs reinetas guardadas para o Inverno. Vens? Perguntavam os meus primos. Corríamos pela estrada de gravilha murada por silvas. Na curva, à entrada da vinha estava sempre um homem sem uma perna, apoiado por uma bengala de cana retorcida. Com as unhas escuras abria pevides e atirava para o lado as cascas. Perdeu-a na guerra. Sussurrava-me sempre um dos meus primos. Pisou uma mina. Os olhos apagados e magros do homem baixavam-se à nossa passagem, enquanto tossia e comia pevides. Quantos pretos matou por lá, tio Álvaro? Os olhos avermelhavam-se enquanto a espuma lhe cobria os cantos da boca. Estupores, gritava enquanto fugíamos pelo caminho de gravilha, estupores. Lá em baixo os cães ladravam aos gritos do homem e o fumo da chaminé lembrava-nos que o meu tio acendera as brasas para o serão.





Tarte de maçã com marmelada e vinho do Porto





Para a massa:

350g de farinha sem fermento
150g manteiga sem sal, fria
2 colheres de sopa de açucar
80-100ml de água fria
1 ovo inteiro
1 colher de chá de sal fino

Misture a farinha, o açúcar e o sal. Junte a manteiga em cubos e com as pontas dos dedos esfarele até obter uma textura granulosa. Junte 80 ml de água fria e ovo inteiro e amasse um pouco até obter uma massa homogénea. Se necessário, junte os restantes 20 ml de água. Leve ao frigorífico durante 30 minutos para repousar.


Para o Recheio

1 kg de maçãs reinetas descascadas e descaroçadas
200g de marmelada
60ml de vinho do porto
4 colheres de sopa de farinha sem fermento
2 colheres de sopa de açúcar
raspa de 1 limão
1 colher de chá de canela
1 gema de ovo + 1 colher de sopa de água para pincelar

Pré-aqueça o forno a 180º. Bata a marmelada com o vinho do porto até obter um creme liquefeito. Reserve.  Misture a farinha, com o açúcar, a canela e a raspa de limão. Reserve. Unte uma forma de aro com manteiga. Estenda 2/3 da massa e forre a forma, tendo o cuidado de deixar massa para além do limite da forma para depois enrolar. Corte as maçãs em fatias bem finas.  Disponha no fundo uma camada de maçã, depois uma de marmelada e termine polvilhando com a mistura de farinha. Repita o processo até esgotar os ingredientes. Estenda a restante massa e cubra a tarte. Pincele com a mistura de ovo e água e faça alguns golpes no topo.
Leve ao forno  até a massa estar dourada. Pode ser servida morna ou fria.

14 comentários:

Beth Martins disse...

Fantàstica esta tarte com uma boa qualidade de misturas, adorei amiga deve ter ficado bem gulosionha.

Bjs

Luis Eme disse...

uma taça de vinho do porto para ti também.

bjs Cristina

Receitas ao Desafio disse...

Fiquei rendida ao seu blog. Parabéns pela qualidade das receitas e dos textos. Passarei cá mais vezes, apesar da distância.
Um beijinho
Patrícia

Patti disse...

Amo memórias, e lidas como se fossem nossas, ainda bem.
E tão bem escritas...

mfc disse...

A impiedade costumeira das crianças tão bem descrita aqui!

Maria disse...

Quanta dor carregará o tio Álvaro?
Nunca o saberemos...

(a torta é de comer com os olhos!!!)
Beijo.

© Piedade Araújo Sol (Pity) disse...

memórias tão bem narradas .

acho que vou fazer esta tarte.

depois digo se saiu bem.

beij

Blondewithaphd disse...

Obrigada! Obrigada! Obrigada!
Eu fui dessas meninas louras com os cones de bombons (Pralinen) que ia para a escola com botins de borracha amarelos e encarnados e casacões apertados com uns barrilinhos de madeira e também havia maçãs no sótão.
Amei!

Inês Ginja disse...

Perfeita essa tarte! Outono em força.
Um beijinho.

Ilídia disse...

A história do tio Álvaro é de cortar o coração. A tarte parece deliciosa. Um beijinho e bom fim de semana.

Babette disse...

Uma das coisas boas deste fim-de-semana foi descobrir este blog. Bonito, com boas receitas e melhores histórias. E poesia. Num título que também me agrada imenso. Tabacaria. E confeitaria. Viva a poesia e a culinária!
Bbaette

Claudia Sousa Dias disse...

ia já uma fatia..

Gina G disse...

Olá, boa tarde.
Antes de mais devo dizer que gosto bastante deste blogue, tem receitas muito atrativas e ainda por cima combina histórias bem contadas.

Há tempo confecionei esta receita. Adorei. Hoje publiquei-a no meu blogue fazendo a justa referência.

Obrigada pela partilha.

Luís Pinto disse...

Simplesmente fantástico. Adoro a sua escrita.