A menina Natércia reconhecia todos os pacientes do doutor, ao telefone, pela voz, fazendo questão de os tratar a todos pelo nome próprio e apelido. A menina Natércia era uma funcionária de voz colocada e eficiente. Tirava o som à televisão quando passavam os programas da tarde. Para quê ouvir tanta desgraça? Perguntava à magra assistência de reformados sentados em cadeiras encostadas à parede, enquanto emudecia as ligações em directo com mulheres vítimas de agressão e homens desempregados. Ligava depois a pequena aparelhagem que tinha numa mesinha atrás do balcão onde punha a tocar os melhores êxitos dos Abba, os grandes ídolos da menina Natércia. Já lhe tinham dito, não se lembrava bem quem, que era muito parecida com a Agneta. Talvez fosse por isso que a menina Natércia ainda pintasse os olhos pequeninos e encavalitados no nariz, com sombra azul e a farta cabeleira de louro platinado. Punha o volume baixinho para não incomodar os velhotes de olhos postos na televisão muda, à espera de serem chamados. A menina Natércia não fumava, não bebia, nem ia a discotecas. Não fosse o gosto que tinha por chocolates, poder-se-ia afirmar como uma mulher sem vícios. Mas tinha de ter sempre perto de si um saquinho de chocolates ditos artesanais, comprados ao domingo no centro comercial, para ir comendo entre consultas e telefonemas, principalmente uns dias antes de lhe vir o período. De preferência de chocolate branco para não se notarem tanto as nódoas na impecável bata branca debruada a amarelo que vestia para trabalhar.Evitava também que tivessem qualquer espécie de álcool por causa do hálito. Mordiscava-os devagarinho enquanto olhava para a televisão muda, cheia de gente feia e emocionada. E depois de o engolir, suspirava e dizia aumentando o volume dos Abba. Há vidas tão tristes e vazias que nem vale a pena serem ouvidas.
Trufas de chocolate branco e ginjinha:
200g de chocolate branco em barra
30 ml de natas frescas
2 colheres de sopa de ginjinha
Chocolate preto para decorar
Derreta o chocolate em banho maria juntamente com as natas. Quando tiver um a mistura homogénea junte a ginjinha. Leve ao frigorífico umas horas e tenda bolinhas com a massa. Decore com chocolate preto derretido.
Adaptado de Barefoot Contessa ( Ina Garten)
5 comentários:
Adorei a ironia que transparece deste teu mini conto!
E é claro que agora ia um chocolatinho...!
belas s trufas da Natércia.
pena aquele vicio dos abba. :)
e quantas meninas natércias, ainda existem por aí..
beijinh
Já estou a salivar...
Estas trufas parecem-me divinas, a experimentar numa próxima oportunidade.
Gostei muito das histórias :)
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